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domingo, 8 de outubro de 2017

Arquimagos - Explorando Labornok

Capítulo X - Abrigo


         Os arquimagos seguiram as orientações dos vispis e se mantiveram rumo ao norte, onde poderiam encontrar uma boa quantidade de vilas oddlings ao longo do caminho e se manterem abastecidos. Labornok não era tomada de pântanos como Ruwenda, suas florestas possuíam solo firme mesmo ao sopé das montanhas de neve; porém a era uma mata densa, bastante fechada, como se nunca tivesse sido explorada. Era fácil se perder nas trilhas já que elas praticamente não existiam e a copa das árvores não permitia uma orientação fácil pelo céu; Mikayla utilizava-se do amuleto de trílio herdado da antiga arquimaga como guia, uma peça em âmbar, contendo um trílio negro, símbolo de Ruwenda, cristalizado. As tribos pelas quais passaram estavam terrivelmente decadentes; parecia que o estrago feito pela guerra entre os dois reinos duzentos anos atrás insistia em deixar suas marcas. Conversando aqui e ali, os arquimagos entenderam que muitos jovens nyssumos partiam para as cidades litorâneas em busca de trabalho; não havia o que garimpar mais nas ruínas de Labornok já que tudo fora confiscado pelos sacerdotes do templo de Meret, extinto dois anos antes - obra de Haramis para salvar Mikayla, mas o povo não precisava saber disto.
               
             – Os pais tem medo que os jovens desapareçam, então estão tirando eles daqui. Isso é mal para as terras, não temos a quem passar nossos costumes, nossa cultura. Eles têm medo e não querem voltar. – explicou uma velha vendedora de ervas, com quem Mikayla trocou mantimentos por folhas para fazer chás.
                – Porque estão com medo de desaparecer?
            – Ah, os baderneiros... Sequestram os jovens bons... – e virando-se para Fiolon completou – Eu se fosse você rapazinho, tomaria cuidado e sairia logo da floresta.
               
             Era a quinta aldeia pela qual passavam que fazia referência ao êxodo dos jovens. Fiolon se perguntava se era este o problema que a terra alertava á Mikayla: a diminuição da população oddling. E como não podia desconsiderar nada em sua pesquisa, pensava em quais seriam as consequências para terra caso os aborígenes desaparecessem. Sua concentração no entanto era perturbada pela pressão no ar: o calor na floresta estava insuportável, com o sol estivesse oculto por detrás de camadas e camadas de nuvens
            – Acho melhor você deixar a chuva cair! – disse para Mikayla. Como agora seguiam sozinhos não necessitavam da linguagem mental.
           – Eu sei... – ela parecia exasperada – Eu só queria encontrar um abrigo seguro para nós antes.
                – Você sabe que isto é errado não é? Usar magia sem propósito e curvar a natureza ao nosso favor...
                Mikayla permaneceu calada. Não demorou muito e gotas de chuva começaram a molhar timidamente suas vestes, para logo em seguida deixarem a timidez de lado e se transformarem numa enxurrada. Quando o frio atingiu seus ossos, Fiolon se arrependeu de ter chamado a atenção da jovem esposa, que seguia ereta em seu fronial alguns passos à sua frente, impassível a chuva. Ele se lembrou de que ela era capaz de controlar a temperatura do próprio corpo e criticou-se intimamente de ainda não ter aprendido isso. Rindo de sua própria incapacidade, aproximou-se para fazer piada sobre o fato, mas percebeu pelo gesto involuntário de quem seca os olhos num rosto oculto por um capuz, que algo estava errado: Mikayla chorava. Firme em seu fronial, ela evitava desmoronar emocionalmente em diante de seu marido e ele sabia que era por puro orgulho: ela queria provar para ele que ela era capaz de lidar com Labornok. Ele nunca duvidara de sua capacidade e indeciso entre ampará-la ou deixá-la só com suas dores, a segunda opção lhe pareceu mais favorável: Mikayla nunca evoluiria se ele estivesse por perto toda vez que ela se sentisse inapta.
Chegaram à estrada que os conduziria até Derorguila sem que a chuva diminuísse; parecia furiosa por ter sido mantida na atmosfera contra a vontade. Seria um longo caminho até a antiga capital, e não faziam ideia da aldeia mais próxima, mas estradas eram melhores e mais seguras que trilhas errantes em uma floresta desconhecida. Suas esperanças em encontrar um local seguro para pernoitar diminuíam na medida em que a noite avançava, ainda que acreditassem que as chances na estrada fossem melhores. Há dias dormiam sob a copa das árvores ou em algum abrigo de animais, e como a vida acastelada tirou deles a capacidade de adequarem-se à situações desconfortáveis, ansiavam por um lugar quente e  alguma comida fresca: as provisões secas que levavam dariam para poucos dias. Por ora caçar não era opção.
                – Calculei mal as distâncias, me desculpe... – disse Mikayla, por fim.
                Antes que Fiolon respondesse, uma luz tênue vinda do meio da floresta chamou-lhes a atenção aumentando conforme se movimentavam pela estrada e outras se seguiram à ela. Quando completaram a curva da estrada, uma porteira revelou um sítio esquecido por aquelas bandas. Seus corações palpitaram de alívio, e com a chuva ainda sob seus corpos, atravessaram a porteira e seguiram até as luzes.
Era uma casinha pequena, tendo ao lado de uma estrebaria e uma casa de moendas. Da posição em que estavam as construções compunham um bonito quadro tendo as Monhtanhas Ohogan ao fundo, bem distantes. Mikayla observou algo que parecia uma ponte e um moinho à alguns quilômetros de distância, no que parecia ser uma colina: se algo perigoso acontecesse poderiam correr para lá.
                – Quem está aí? – bradou uma voz masculina, vinda do interior do casebre.
                – Somos viajantes, senhor. Poderia nos fornecer abrigo contra a chuva?
                A voz demorou a responder. Quando Fiolon estava prestes a repetir o pedido, ela retrucou:
                – Vocês podem ficar lá atrás, na estrebaria!
“Isso não é forma de se acolher quem pede abrigo!”, pensou Mikayla, mas de todo o jeito era melhor do que permanecer na chuva. E nem era um local tão ruim assim, já que parecia não receber animais há muito tempo. A palha estava seca e o casal ajeitou um canto para os animais e depois outro para eles. Trocaram as roupas encharcadas por outras mais secas e aninharam-se para descansar. Temiam acender alguma fogueira e acidentalmente tacarem fogo no lugar.
– É possível que ele tenha ficado com medo de nós? – indagou Mikayla, ainda incomodada com a recepção de seu anfitrião.
– Não sei, talvez sim. Não sabemos o que se passa por este lugar.
O cansaço abateu sobre eles e adormeceram rapidamente, sem sequer se preocuparem em montar vigia. Seus corpos cederam àquele conforto mínimo, crentes que não poderia haver perigo quando uma hospedagem lhes foi concedida: simplesmente relaxaram.
Não poderiam estar mais errados



quarta-feira, 21 de junho de 2017

Arquimagos - Casamento de Arquimagos

Fanfic baseada na obra "a Senhora do Trílio"  de Marion Zimmer Bradley

Capítulo VII - Castidade

O crepúsculo avançava a oeste de Laboruwenda, revelando os traços finos da chuva de meteoros provocada pela passagem do cometa. Fiolon gostava daquela visão, ainda que tecnicamente não estivesse olhando para ela. Sua mente estava em Var, vasculhando cada milímetro do território do qual era responsável. As tribos estavam em paz, assim como o manejo florestal seguia conforme suas ordens. As cheias do Grande Mutar começariam em breve; suas nascentes eram oriundas das Montanhas Ohogan, do lado ruwendiano, cujo degelo já dera início, e segundo suas orientações algumas tribos ribeirinhas já estavam se preparando para o período alagadiço. O cio dos animais primaveris estava entrando em ápice, o que o perturbava um pouco; ainda que não estivesse plenamente amadurecido, seu corpo  conhecia o furor que as tensões sexuais provocavam. Sua ligação com a terra já fora mais forte, deixando-o desconfortável nos primeiros anos como arquimago: aprender a desligar-se foi fundamental.
Quando terminou sua vistoria mental o céu já era de um matiz arroxeado. Os traços do cometa no céu já eram escassos, vinte dias haviam se passado e ainda que as previsões astronômicas indicassem que o fenômeno duraria um ciclo trilunar, aquela era a última noite que o arquimago poderia vê-lo das sacadas do palácio da Cidadela: na manhã seguinte partiriam para seu ducado em Let. Haveria algumas mudanças em sua rotina, agora que Mikayla poderia ir e vir com ele, livre da supervisão da falecida arquimaga. Ele não precisaria ficar sonhando alto, desejando algo que estava distante e que parecia quase impossível de se ter. Agora, nas pausas de suas vistorias, poderiam voltar-se ao que sempre fizeram bem: pesquisar e explorar.
 Fiolon sentiu um ligeiro desconforto quando sua mente se aproximou das fronteiras de Laboruwenda. Há tempos não sentia um arrepio como aquele, e sentiu-se instigado a avançar mais, porém aquele era o território de Mikayla, e avançar seria falta de respeito.

–Sonhando acordado, meu marido? – Mikayla aproximou-se. O cheiro de alfazema que exalava do banho recém-tomado inebriou-o. Estendeu os braços para que ela se aproximasse.
– Iremos para Var amanhã, mais uma etapa em nossa nova vida. Como está se sentindo?
– Agradecendo aos senhores do ar por sair daqui! – bufou ela – Não aguento mais a minha família! A vida deles é tão... fútil! As damas só costuram e cantam e leem – o que não é ruim, mas... é só isto! Não há aventura. A maior emoção delas é fofocar sobre a vida de alguém! Gostaria de ter ido embora antes...

Fiolon suspirou, mantendo a placidez que lhe era tão característica:
– Mika, já parou para pensar que não fazemos a mínima ideia de quando retornaremos aqui nas condições de Princesa e Duque? Não sabemos quando poderemos abraçar os nossos familiares outra vez; essa pode ser nossa última oportunidade.
– Vivemos os últimos anos afastados deles e sequer procuraram por nós! – resmungou ela.
– Sim eu sei, mas segundo eles estávamos em segurança! Essas pessoas podem ter sido negligentes conosco, mas nunca nos faltaram abrigo e alimento neste lar. E a vida deles, de tudo que está aqui neste momento, irá perecer muito antes da nossa. O que você prefere: dar o mínimo de atenção agora ou lamentar não ter aproveitado esta oportunidade daqui a uma centena de anos?


Mikayla sentiu-se culpada por suas críticas e por seu egoísmo: agora sentia-se terrível! Fiolon a puxou contra si e beijou-lhe a testa, rindo da confusão que se instalou na mente da Arquimaga. Ela sempre fora cabeça dura, não media palavras muito menos as consequências dos seus atos. Cabia à ele as ponderações necessárias para fazê-la enxergar por outros ângulos. E nesta discussão acabou esquecendo-se de perguntar sobre a  estranha sensação que sentira durante a sua vistoria.


– Você meu querido, sempre tão sensato! Perde-se a vontade de trocar qualquer veneno com você!
– Nunca foi meu forte, você sempre soube! Aliás, nossa castidade ainda é assunto da corte?
– Nada! Seu plano foi perfeito!

Fiolon sorriu, lembrando o acontecido: na manhã seguinte a noite de núpcias o casal de adultos presos em corpos de criança foi despertado por batidas um pouco mais austeras na porta. Perceberam que estava bem tarde, mas o cansaço da festa ainda permanecia em seus corpos e eles desejavam continuar na cama; as batidas insistentes, no entanto, não deixavam.
– Não abra a porta agora! – murmurou Fiolon, assim que viu Mikayla intentando em fazê-lo, procurando em algumas gavetas até encontrar um objeto pontiagudo o suficiente com o qual pudesse cortar a palma da mão.
– O que está fazendo?? –Mikayla perguntou, assustada. O servo ou seja lá quem fosse, havia desistido.
– Estou complementando nossa farsa. Assim que sairmos deste quarto virão bisbilhotar a nossa cama.
Mikayla ficou horrorizada:
– Acha que ousariam entrar sem estarmos aqui?
– Já entraram conosco aqui: ou você acha que a bandeja de café da manhã veio por mágica? – e vendo que Mikayla permanecia escandalizada, tentou tranquilizá-la – Você passou muito tempo presa na torre, meu amor, esqueceu como os servos são treinados para serem silenciosos e invisíveis pelos palácios. Exceto claro, este que com certeza foi enviado para nos acordar...
– Ou saber se estamos vivos!
Ambos riram, mas Fiolon permaneceu concentrado no que fazia. Ao pressionar a mão cortada na cama, Mikayla finalmente entendeu suas intenções. Corou.
– Eu não quero mais ninguém questionando nossa virgindade – ele disse percebendo seu constrangimento.
– Espero que isto não o machuque... – murmurou ela, ainda sem saber direito o que dizer. Referia-se ao ato de Fiolon ter-se cortado, mas ele entendeu de outra forma:
– A mim? Só agora, ao me cortar... – ele tomou-lhe a frente da camisola e também a sujou, murmurando um encantamento de cicatrização para o ferimento logo em seguida. Admirava a perfeição de seu trabalho quando notou que Mikayla ainda estava acanhada – Ei, não se preocupe: farei o máximo para não provocar nenhum incômodo quando realmente acontecer está bem? Serei tão inexperiente quanto você, e poderemos rir de nossas trapalhadas depois: só isto será o suficiente para ser memorável! – E percebendo que ela sorria, beijou-lhe a face como quem rouba a demonstração deste afeto. – Agora vista um roupão e deixe as servas verem isto ao te trocarem.
– Quando você ficou tão prático?


O plano deu certo como o mago previra: antes do cair da tarde todos no castelo sabiam como fora encontrado o leito nupcial – a história incluía seus devidos acréscimos dependendo de quem a contava. Os reis, especialmente a Rainha de Laboruwenda, ficaram satisfeitos quando a fofoca chegou até os seus ouvidos: aquilo selava a palavra dada pelo casal de que não cometeram imoralidades enquanto estavam sobre a tutela da Arquimaga. Não que isto, de fato, fizesse diferença em uma corte, mas era necessário que tais atos permanecessem sempre por trás das paredes ou debaixo dos lençóis onde ocorriam. 



segunda-feira, 29 de maio de 2017

Arquimagos - Casamento de Arquimagos

Fanfic baseada na obra literária A Senhora do Trílio  de Marion Zimmer Bradley


Capítulo VI - Recepção

           A recepção ocorreu tranquilamente, para alívio dos regentes das duas terras, fartos de surpresas. A conduta de Mikayla e Fiolon durante a cerimônia ainda era comentada pelas mesas, e o fenômeno das estrelas também – que ainda foi vista tão logo o Sol se pôs. Quando questionado pelos magos, Fiolon deu a mesma resposta que dera a Mikayla; tudo era uma questão de estudo. Astrônomos antigos calcularam que um cometa passaria próximo do planeta e sua cauda provocaria uma chuva de meteoros: utilizou seus poderes para que parte deles projetasse a sombra no sol e outra parte ficasse suspensa tempo suficiente para formular a frase.

                – Qualquer mago com um pouco de dedicação conseguiria fazer – finalizou, deixando alguns entre constrangidos e enfurecidos.
               
               Ainda que tudo corresse bem, com o passar das horas Mikayla começou a sentir-se sufocada no meio de tantas pessoas que a felicitavam. Circulou alguns momentos com Fiolon, mas quando as formalidades foram encerradas, viu-se conduzida pela mãe para (re)conhecer os nobres presentes, e a partir de então não conseguira uma pausa sequer, já que toda hora cumprimentava um Lorde não-sei-de-onde, um Duque não-se-sabe-quem ou um Conde de-não-sei-que-lá.
             
            “– Passei tantos anos isolada na torre, que agora não consigo lidar com multidões” – pensou consigo mesma.
          ”– Ora, não foram tantos anos nem um completo isolamento!” – ecoou um comentário em sua mente. Mikayla sorriu para as damas que conversavam com ela sobre as maravilhas da vida a dois, e correu os olhos pelo salão à procura do dono do comentário. Fiolon encontrava-se em uma mesa distante, conversando com alguns duques do reino de Raktum. No instante em que seu olhar o encontrou, seu colar mágico vibrou e ele também mirou em sua direção, sorrindo.
           “– Pare de ouvir meus pensamentos!”
         “– É você quem não os bloqueia de maneira adequada!” – ele respondeu, enquanto ria com os demais duques de uma piada ordinária que haviam acabado de contar. “- Quer se retirar?”
          “– Acho que suporto mais um pouco!”
    
         Eles tornaram a trocar olhares e Fiolon estendeu a taça que trazia consigo, fazendo um brinde á distância. Mikayla fez o mesmo, entre as risadinhas daquelas que estavam consigo e que observavam a troca de olhares do casal.
             
          – Então é verdade o que dizem? – uma das damas perguntou
          – O que é verdade? O que dizem? – Mikayla quis saber, voltando à focá-las.
          – Que vocês se uniram antes do casamento?
        O rosto de Mikayla transfigurou-se, tornando-se vermelho de fúria. As mulheres que estavam com elas repreenderam a outra pelo comentário indiscreto, mas pareceram tão curiosas quanto. Mikayla analisou-as de cima abaixo: quem eram aquelas mulheres que invadiam sua intimidade?
          
          “Minhas noras!”, lembrou-se.
             
          Forçou um sorriso:
         – Sabem, fico impressionada com a quantidade de fofocas acerca da vida das pessoas no palácio, e é claro não me surpreenderia ter meu nome ou do meu marido rolando entre elas – e fingindo prestar atenção no líquido que bebia continuou – Eu só acharia arriscado ficar dando ouvidos à tais assuntos, as pessoas mencionadas podem se aborrecer, e quem sabe o que podem fazer um mago poderoso ou uma ex-aprendiz de Arquimaga?
     As mulheres engoliram em seco, enquanto Mikayla se retirava graciosamente da companhia delas.
       – Ela acabou de me ameaçar? – perguntou a jovem nora indiscreta. Mikayla, que ainda estava próxima, não hesitou em responder.
        – Claro que não! – disse com um sorriso sarcástico - Eu jamais ameaçaria alguém no dia do meu casamento!  

        A festa durou até a madrugada, mas ao contrário do que esperavam, o casal não ficou até o fim. O cansaço abateu-lhes de maneira desesperadora, então optaram por uma retirada discreta - mesmo que não o fizessem, os convidados já estavam embriagados demais para notar. Cada um foi até seus aposentos particulares providenciar a substituição de seus trajes de cerimônia pelas vestimentas nupciais. As servas tiveram um trabalho extra para desmanchar as tranças de Mikayla uma vez que as flores engancharam-se em seus cabelos; quando terminaram, a jovem já não esperava mais encontrar seu marido acordado.

          – Você está linda! – disse Fiolon, assim que a viu entrar no quarto - Linda, linda, linda e agora é só minha! Ninguém poderá tirá-la de mim!
         – Não esqueça que sou da terra também! – respondeu Mikayla, fechando a porta atrás de si.
            – Somos! – ele completou, aproximando-se e beijando-lhe a testa.
           Uma sombra tomou o rosto de Mikayla, enquanto caminhavam em direção à cama.
           
            – O que houve?
           – Sobre eu estar linda e não ser.... –  e vendo que o marido permanecia confuro, ela retirou a magia, e os traços de criança voltaram a aparecer em seu rosto. –  tudo isso é charme, não vê?
             – Eu vejo a minha Mikayla, a Dama Branca, Arquimaga de Laboruwenda, e acima de tudo, aquela a quem escolhi amar desde os sete anos!
        – Mas ainda uma criança Fio... – ela disse, abraçando-o – As minhas noras insinuaram...
            – Eu ouvi o que aquela idiota comentou, mas, Mika, quem se importa? É bom que pensem que dormimos antes, assim ninguém duvidará da consumação do nosso casamento! Ninguém precisa saber que ainda não amadurecemos, é o preço que pagamos em troca de zelar pelas terras. Não podemos fazer o que casais normais fazem na noite de núpcias, não agora, mas um dia poderemos. De tudo que nos aconteceu, o melhor ainda é permanecemos lado a lado, como sempre foi!
           – Nem Haramis pode prever esta: dois arquimagos pelo preço de um! – comentou ela, com a alegria voltando a iluminar seu rosto
             – Talvez ela tenha previsto, mas não compreendeu os sinais de maneira adequada. Mestre Uzum me contou na época que nós dois aparecemos na visão dela, nós dois! Ainda que não nos desgrudássemos, haviam momentos em que ficávamos sós, você seria vista sozinha.
             – Nunca soube disto... será?
            – É uma suposição... Eu nunca seria arquimago de Var se Haramis não tivesse nos sequestrado juntos e eu tivesse ficado doente, ou se eu não tivesse feito nevar na cidadela enquanto você aprendia feitiçaria do tempo...
             – ... ela não teria vindo pra cá e tentado nos separar com aquele feitiço horrível...
             – ... não teria ficado doente, o que possibilitou minha ida para a torre...
             –... e estudarmos juntos com Uzun.
               
        Eles ficaram em silêncio, relembrando a época em que tudo era motivo para que tentassem se comunicar; crianças que queriam brincar juntas e a arquimaga má não permitia deixar. Mas será que era isso que a terra queria?
                – São muitos “se’s”... – murmurou Mikayla.
                – E agora estamos aqui, com um futuro melhor do que tínhamos naquela época – ele riu.
              Mikayla olhou para Fiolon. Enquanto conversavam o charme também usado por ele se desfez, e o rosto imberbe exibiu o físico do menino de catorze anos que ele  era. Ela ficou satisfeita com isto: seu problema não era o retardo em seu próprio amadurecimento, mas sim que acontecesse com ele primeiro que ela.




domingo, 21 de maio de 2017

Arquimagos - Casamento de Arquimagos

Fanfic baseada no romance "A Senhora do Trílio" de Marion Zimmer Bradley.

Capítulo V - Cerimônia


O salão onde a cerimônia de casamento se realizaria estava abarrotado. Guirlandas de flores do trílio, símbolo da terra e da casa real estavam em todas as colunas, finalizados por faixas verdes-musgo, a cor favorita de Mikayla, por lhe lembrar dos pântanos. Não estava frio, mas pequenas pedras aquecidas estavam espalhadas pelo lugar, a fim de diminuir a umidade. Ainda que os janelões abertos dessem para jardins reais, a umidade local e o grande número de pessoas reunidas no lugar aumentavam a sensação de calor. Fora que arrumar os nobres por ordem de título e afinidade era uma tarefa árdua para o mestre de cerimônias, pois não adiantava ter sido o primeiro a chegar se seu título era o mais baixo. Isso provocava constantes reacomodações, já que muitos nobres resolveram ir ao evento na última hora, de acordo com suas vontades. Foi preciso uma intervenção da Rainha, determinando que, a partir daquele momento, quem chegasse teria que se contentar com lugares nos fundos do salão. E pediu que os guardas reais contivessem qualquer convidado que tentasse fazer escândalo.

          Os noivos não atrasaram. Após a entrada da família real de Laboruwenda, incluindo os reis, seus seis filhos e seus respectivos companheiros, Mikayla entrou no salão, pajeada por duas de suas sobrinhas. Seu vestido era de um tom esverdeado claro, com rendas floridas e mangas compridas que cobriam as costas da suas mãos. Havia um decote na parte de trás, onde seus cabelos vermelhos, presos em uma longa trança enfeitada com flores do campo, impediam de deixar suas costas totalmente expostas. Quando chegou no altar, sentou-se na cadeira de espaldar alto, feita de madeira e cravejada de pedras, que estava entre os seus pais: era o lugar da noiva.

          Todos a postos, foi anunciada a entrada do Rei de Var, que faria o papel dos pais do noivo. Quando Fiolon entrou, Mikayla prendeu a respiração: a imagem que lhe roubara de sua visão do espelho não fazia jus a beleza dele. Nem revelou a barba aparada que ele ostentava! Mikayla achou aquilo estranho e segurou o riso para não estragar a cerimônia. Aparentemente Fiolon também fez uso do charme para parecer mais velho aos olhos de todos. Postou-se ao lado do Rei de var, para que este fizesse a declaração de costume:

        – Reis de Laboruwenda, estou aqui para pedir lhes que concedam a mão de vossa filha ao meu tão amado sobrinho, Lorde Fiolon de Var. Ele é um rapaz próspero, possui um ducado em Let e lida habilmente com extração de madeira em meu Reino. Possui conhecimento dos sábios e tenho certeza que será um bom marido para vossa filha tão querida, a Princesa Mikayla de Laboruwenda.

          – Rei de Var – começou o pai de Mikayla – é com muita alegria que o recebo em meu reino para esta cerimônia. Considero tua intervenção, mas agora quero ouvir do rapaz. Diga-me Lorde Fiolon de Var, Duque de Let: porque quer a mão da minha filha?

       Toda aquela ladainha era conhecida de quaisquer noivos daquelas terras: primeiro alguém apresenta o noivo ao pai da noiva, enaltecendo suas qualidades, e depois o pai da noiva (que há muito tempo sabia das qualidades do futuro genro!) pediae que este enalteça as qualidades da mulher que ele mal conheceu – isso segundo a mente de Mikayla. O discurso do noivo costumava ser uma bajulação sem fim, e Mikayla já começava a achar a cerimônia tediosa.

          – Majestade, é com todo respeito que venho até vós pedir a mão da princesa Mikayla em casamento. Conheço-a desde minha tenra infância e a amo desde então. Ela é, sempre foi e sempre será minha melhor amiga e objeto principal de meu afeto (e aqui Mikayla esqueceu todo o tédio!). Amo a sua sabedoria e a sua impaciência, a sua coragem e o seu destemor. Mas acima de tudo, eu a amo porque ela faz parte de mim: já não sei mais quando sou eu ou quando sou Mikayla pois nossos pensamentos se completam. Somos dois e somos um. - Fiolon fixara o olhar em Mikayla ao dizer aquelas últimas frases. Por tudo que vivenciaram juntos, aquela era uma verdade absoluta. – Posso lhes assegurar majestades – continuou ele, desviando o olhar dela e direcionando aos pais de Mikayla e seu tio – que se não for de vosso agrado a nossa união, sou capaz de sequestrá-la e levá-la comigo para sempre!

        Exclamações de espanto foram ouvidas da plateia; afirmações deste tipo não eram consideradas respeitosas diante da formalidade da cerimônia. Fiolon piscou para Mikayla, que mantinha um sorriso de ponta a ponta no rosto, enquanto o Rei de Var estava pasmo:

         – Fiolon! Mas que afirmação mais desnecessária a se fazer neste momento! Peça desculpas ao Rei!
Antes que Fiolon abrisse a boca, a Rainha interveio:

        – Não é necessário majestades... conheço muito bem os meus “filhos” e Fiolon tornou-se um deles quando foi abrigado por mim aqui neste reino. Sabemos que não falou por mal, apenas quis expressar, de maneira “muito equivocada”, o apreço que tem pela princesa.

      Risinhos abafados ecoaram pela plateia. Fiolon começou a se sentir desconfortável com a fúria que via nos olhos do Rei de Laboruwenda pela descortesia. Mas estava feito, e o Rei, ainda que vermelho, bufou um “humpft” e assentiu, voltando às formalidades.
– Cabe a última palavra á minha filha. Princesa Mikayla, é do seu interesse desposar Lorde Fiolon de Var, Duque de Let?
Mikayla apressou-se em responder:
– Ora papai que pergunta mais idiota: é claro que me caso com Fiolon! – outro espanto entre os convidados. - Nem seria necessário ele me sequestrar pois eu fugiria com ele sem pensar duas vezes!!
Desta vez todos aplaudiram a espontaneidade dos noivos.
– Vê-se que não há como ser contra tal união, então eu o aceito Lorde Fiolon de Var, Duque de Let como meu genro!
Mais palmas explodiram pelo salão. Fiolon estendeu as mãos para Mikayla, outra coisa fora do protocolo. Ela questionou-o mentalmente, percebendo suas mãos frias de nervosismo e ele simplesmente sorriu:
– Vem comigo, terá uma surpresa!

          Mikayla pulou do altar e juntos seguiram correndo pelo meio do salão em direção aos jardins sobre os gritos de “Voltem aqui!!” do Rei. A Rainha a esta altura já havia se jogado em seu trono, não tendo mais com o que se surpreender. “Porque eles têm que estragar tudo?” queixou-se. Aquele seria o momento em que os noivos declamariam seus votos; ao invés disto, convidaram todos para segui-los até os jardins. Lá, Fiolon descalçou os sapatos e pediu que Mikayla fizesse o mesmo. Tomando as mãos da princesa, disse com afinco:
– Princesa Mikayla, filha legítima de Laboruwenda: por esta terra que pisamos e que dá a vida, pela luz do nosso Sol invicto e das três luas, pelo sangue que corre em minhas veias e pelo ar que eu respiro eu juro: serei teu até o dia de minha morte, e na minha vida não haverá ninguém além de ti!
– Mas que raio de juramento é este? – sussurrou o Rei para a Rainha
– Eu não sei, mas é o mais lindo que eu já ouvi! – ela respondeu. De fato ainda tinha com o que se surpreender com aqueles dois.

       Mikayla encontrava-se tão extasiada com os votos que acabara de ouvir que esqueceu-se de que deveria recitar os seus votos. Havia decorado as palavras usuais, mas diante da originalidade de Fiolon, sentiu-se livre das formalidades; após um “é a sua vez!” sussurrado em sua mente pelo rapaz, declarou:

– Lorde Fiolon de Var, Duque de Let, meu Lorde... – e calou-se, pois por pouco revelaria a condição de Fiolon como arquimago ao chamá-lo de “Lorde Branco” – Dono do meu coração. Se conjurou o vosso amor pelas coisas sagradas deste reino, eu também juro pela terra abaixo de meus pés, pelo sangue que corre em minhas veias, pelo Sol que ilumina nossos dias e pelo ar que eu respiro, que serei tua até o dia de minha morte, e no que vier além dela. Não haverá homem algum além de ti.

        Fiolon tomou Mikayla nos braços e a beijou. Palmas e aclamações de felicitações foram ouvidas de todos os cantos. O casamento estava feito finalmente, mas ainda não havia terminado: de repente tudo escureceu. Algo cobriu o sol e a penumbra gerada permitiu que as estrelas aparecessem.

           – Não está cedo demais para anoitecer? – perguntou alguém
“–O que está acontecendo Fiolon? Alguma magia das trevas? Porque eu juro que fiquei calma e não mexi mais com a terra!”
         "– Não se preocupe” – ele respondeu-lhe sorrindo – “Este é meu presente para você. Apenas observe”
         
          Ele apontou para a direção do nascer do sol e milhares de pontos de luz começaram a riscar o céu. Eram meteoritos, uma chuva deles. Alguém gritou que era o fim do mundo, e muitos correram para se proteger, antes de concluírem que era um efeito meteorológico. Os magos presentes ficaram intrigados: conheciam o fenômeno, mas nunca presenciaram fora das habituais horas de escuridão.
           
             – Continue olhando! – Fiolon sussurrou.
       
        À leste, as estrelas cadentes começaram a estacar no céu, tomando forma de palavras, para a maravilha daqueles que o assistiam. “Mikayla e Fiolon para sempre!” foi lido por todo o céu de Laboruwenda e nas terras atingidas pela escuridão do sol provocada pelo Arquimago de Var.
           Mikayla emocionada, cobriu o marido de beijos
           – Como foi que fez isto?? Vai ter que me ensinar!
       
         Quando clareou, muitos ainda estavam bestificados. Ainda que alguns, especialmente os de Var, conhecessem os poderes de Fiolon como mago, testemunhar a manifestação de sua magia estava aquém de sua imaginação. E questionavam seus limites.
          
           – Se ele é capaz de comandar os astros, o que não será capaz de fazer com nossas vidas? – comentavam os leigos entre si
     – Nem em toda literatura mágica houve feito semelhante, nem os arquimagos demonstraram tal nível de domínio: seria ele um? – os magos se questionavam. 
           
           O Duque de Let tornou-se uma incógnita.



segunda-feira, 15 de maio de 2017

Arquimagos - Casamento de Arquimagos

Fanfic baseada no romance "A Senhora do Trílio" de Marion Zimmer Bradley

  Capítulo IV - Pré-Nupciais


Os dias passaram rápidos e quando todos se deram conta, a comitiva de Var batia à porta e o casamento também. Várias tendas foram instaladas em torno da Cidadela, pois todos os quartos ficaram ocupados, não só por nobres convidados de Var, mas também dos demais países vizinhos como Zinora e Raktum. Seus vassalos mais chegados foram instalados no sótão e como não couberam tantos, o restante teve que ficar em campo. Isto até que não os incomodava: na sua maioria soldados, estavam acostumados ao acampamento; o que de fato importunava muito era o excesso de umidade presente na atmosfera local – oriundos de uma terras litorâneas ou bem ventiladas, o ar dos pântanos pesava-lhes nos pulmões.

O primeiro impulso de Mikayla assim que soube da aproximação da comitiva de Var, foi correr para os braços de seu noivo, só que foi impedida pela Rainha e pelas suas damas: a tradição a proibia que os noivos se vissem antes do casamento. Naquele instante ela não se importou, pois poderia entrar em contato com ele mentalmente, porém não contava que ele a proibisse de vê-lo e criando um bloqueio mental onde só poderiam se ouvir. Isso a deixou irritadíssima e, ás vésperas das bodas, a terra sofreu um pouco com isto: alguns terremotos e tempestades quase prejudicaram a festa.

“– Você quer ficar calma? Ou quer um desastre justamente hoje?” – brigou Fiolon, invadindo a mente dela no dia do casamento.
– Estou farta de tanto mistério! Porque não me deixa vê-lo?”
“– Pelo mesmo motivo que me recuso a vê-la: quero ter direito à minha surpresa, à recordação deste dia... se você não se acalmar eu não consigo terminar de me aprontar, já que sua impaciência se reflete em mim!”

Ela bufava em seu quarto deixando as aias tão nervosas quanto sua mãe impaciente. Uma das auxiliares espetou o dedo quando arrematava um detalhe no vestido e teve que ser substituída por alguém não tão competente, já que seu dedo não parava de sangrar – por sorte não manchou a roupa. As mulheres ficaram agitadas dizendo que aquilo era sinal de mau agouro. Mikayla, que não era nem um pouco supersticiosa e estava além do limite da irritação, preparou-se para fazer uma mágica cicatrizante, quando foi novamente repreendida:

“– Não use magia!”
– VOCÊ ESTÁ ME VIGIANDO AINDA POR QUÊ?? – berrou, espantando todos os que estavam à sua volta. – Ahhhh, não é com vocês...
– Filha o que há com você? Nunca vi alguém tão perturbada assim no dia de seu casamento!
– Mãe, podem me deixar a sós por alguns instantes?

A rainha assentiu e saiu do quarto juntamente com as demais aias. Mikayla se viu as voltas com um vestido bufante inacabado sobre uma apertada armação de arame e muitas anáguas. Desceu do banquinho onde estava e tentou ir em direção à poltrona em que sua mãe estivera sentada pouco antes, levando um tempo considerável para chegar. Ajeitou-se do jeito que pôde e tentou relaxar. Pensou na sua terra, na beleza que ela era: o céu constantemente cinza das chuvas, os pântanos que escondiam inúmeras ruínas de outras civilizações, as diversas tribos humanoides que povoavam aquele lugar, os rios que fluíam e eram meios de vida e de transporte... Era a Senhora de tudo aquilo, sua cuidadora, não devia deixar o ímpeto de suas emoções prejudicar o meio ambiente. Afinal, em breve conquistaria o que tanto desejou, sem deixar de cumprir sua principal obrigação: se casaria com Fiolon, o Arquimago de Var, mas antes disto seu melhor amigo. Não viveriam em uma cabana próxima ao Pântano Verde como planejaram na infância mas sim em uma torre nas montanhas Ohogan, tendo como animais de estimação mudos froniais e abutres gigantes que conversavam com eles através de telepatia. Algumas vezes ao ano teriam que se separar para atender às necessidades das terras das quais eram responsáveis, mas o que eram esses períodos para quem viveria quase uma eternidade? Um piscar de olhos na fração do dia...

Uma canção projetou-se no fundo da mente de Mikayla que a fez sorrir: aqueles pensamentos não eram dela. Fiolon a acalmava de seus próprios aposentos, tal domínio ele tinha sobre a mente da noiva. Ele a fez ver suas responsabilidades e suas realizações sem precisar chamar-lhe a atenção. Quando a aia bateu à porta, Mikayla sinalizou para que entrasse: já estava relaxada. Voltou para o banquinho onde as outras terminariam de arrumá-la em uma placidez que quem quem a vira minutos antes julgaria impossível de se alcançar...

Em uma ala oposta no castelo, aqueles que serviam à Fiolon deliciavam-se com as notas musicais que ecoavam de objetos estranhos. Eram artefatos dos Desaparecidos, ancestrais daquela terra, que ele recolhera das explorações que fizera com Mikayla tempos atrás. Costumava guardar para si tudo que era musical, uma vez que era dotado de um conhecimento nato sobre notas e arranjos, que fora aprimorado ainda mais após a sua iniciação em magia. Quando encontrava-se tenso, a música o acalmava, permitindo que ele equilibrasse os próprios pensamentos. Naquele instante, em meio ao vai e vem de pessoas que o auxiliavam a vestir-se, estava tranquilo, se comparado ao furacão que era a sua noiva momentos antes. Sua mente resistia em visualizá-la, mas mantinha-se ligada a ela por meio da audição e das sensações: Mikayla finalmente se acalmara.

Foram quatro anos de idas e vindas de Var à Laboruwenda, a fim de auxiliar Mikayla enquanto ela se preparava para a função de arquimaga, quando ele já era um. Tornou-se arquimago sem querer, mas não viu nisso uma complicação para sua vida: a magia era inerente a ele, tinha o dom, mais do que Mikayla até, e isso o ajudou a lidar com seu retorno a Var. O Rei ficou encantado com seu trabalho com as tribos e lhe concedeu o ducado de Let e foi aí que alguns problemas começaram: como duque, Fiolon tornou-se um partido de qualidade para as cortesãs e donzelas das famílias nobres. Foram inúmeras as vezes que encontrara mulheres nuas em sua cama, inúmeros os flertes em jantares e os insistentes convites dos nobres que se revelavam artimanhas para que conhecesse suas filhas. Fiolon contou ao rei seu compromisso com Mikayla, mas à medida que seu prestígio aumentava, seu tio parecia esquecer-se disso, empurrando-o para eventos que mais pareciam encontros. Com o tempo sua recusa às mulheres se transformou em boatos mais perniciosos, questionando  sua sexualidade: além das mulheres passou a ser assediado por homens também. Como sempre, foi astucioso ao lidar com a situação: passou a fazer questão de soltar as histórias sobre a origem desconhecida de seu pai, que poderia ser um bruxo, um feiticeiro maligno ou alguém das castas mais baixas. O temor pelo sangue contaminado espalhou-se e logo começaram a diminuir as insinuações. Por outro lado, aumentou-se a desconfiança em seu poder: se herdara a magia de um demônio, quais a seriam seus limites?

Estas questões o divertiam, pois aumentaram o mistério em torno de sua pessoa e lhe permitiram trabalhar em paz. Cumpria seus compromissos na extração de madeira das florestas de Var enquanto mantinha seus cuidados com a terra, aperfeiçoava seus dons e estudava constantemente. Ia e voltava de Laboruwenda quando Mikayla precisava de sua ajuda e evitava trazer transtornos para ela junto a Arquimaga Haramis. Quando Mikayla herdou a terra, achou que seus problemas românticos haviam se encerrado, até seu tio propor que se casasse com uma nobre de Raktum. Fiolon o fez recordar-se de seu compromisso em Laboruwenda e temendo que outras tentativas como esta surgisse no futuro, mandou que Mikayla enviasse uma carta aos reis de Ruwenda que seria levada por ele quando pedisse formalmente a mão da princesa em casamento. A carta era uma autorização da Arquimaga de Ruwenda, dando sua benção à união dos dois – desconhecem, no entanto que a arquimaga é a própria Mikayla.

– Está pronto, milorde!

Fiolon voltou seus pensamentos para o momento atual e olhou-se no espelho apenas para reconhecer a si mesmo, um gesto simples, que não lhe era comum. Fechou os olhos rapidamente, mas a imagem já estava lá, impressa na memória.
“– Sua skritekzinha dos infernos!!” – Ele brigou enquanto uma gargalhada ecoava em sua mente.
“– Você está lindo! Como sempre foi!”
“– Saia da minha mente agora! Vou bloqueá-la e se tentar invadir eu juro pelos senhores do ar que não me caso mais!”
“– Não tenho culpa se você se distraiu!” – Mikayla resmungou, entre chorosa e divertida. Agora que conseguira o que queria, ela estava triunfante.
“– Vejo você no altar Dama Branca!” – ele respondeu, numa falsa zanga
Os servos, percebendo sua mudança repentina de humor, ficaram preocupados:
– Aconteceu algo milorde?
– Não... – respondeu com sinceridade. “É só a velha criança com quem vou me casar aprontando das suas”, pensou consigo mesmo e teve que sorrir.



quarta-feira, 10 de maio de 2017

Arquimagos - Casamento de arquimagos

Continuação da Fanfic baseada na obra A Senhora do Trílio, de Marion Zimmer Bradley.

Capítulo III - Artimanhas

O primeiro dia de Mikayla na corte após seis anos de treinamento com a antiga arquimaga acabou sendo mais agitado do que ela mesma esperava. Logo pela manhã foi bombardeada com perguntas sobre o período em que viveu com Haramis, desde as desconfianças desta de que a princesa e Fiolon praticavam imoralidades, até a principal  questão do dia: o porquê de, agora, a relação entre Mikayla e Fiolon ser aprovada. Tais questionamentos já haviam sido ensaiados pelo casal; uma vez que ninguém das terras baixas soubera da morte de Haramis, somente seus servos e espiões mais chegados, a segurança dos arquimagos estaria no rearranjo dos acontecimentos para que não fossem necessárias mentiras e mais mentiras para encobrir a verdade.

     – Confesso que fiquei confusa quando recebi a mensagem solicitando que nos preparássemos para o seu casamento, filha; da última vez que esteve aqui, a Arquimaga quase atentou contra a vida de seu primo.
–Sim mamãe, a Senhora Haramis cometeu alguns atos falhos (verdade), mas no final percebeu que estava enganada a nosso respeito (verdade).
– Acusá-los de imoralidade, vê se tem cabimento? – resmungou a rainha. Haramis não se conformava com a ligação entre Mikayla e Fiolon independente das distâncias e dos feitiços que fazia para separá-los, chegando prestar queixa aos reis.
Mikayla sorriu.
– Ela nunca entendeu que duas pessoas podem se conectar sem serem amantes, ainda que, segundo as lendas, ela fosse conectada às suas irmãs. (Fugi do contexto, mas é verdade. Se querem saber se dormi ou não com Fiolon que sejam diretos!)
– E como fica a sua situação? Você não será mais arquimaga? – perguntou o Rei.
– A terra já possui uma nova arquimaga papai (verdade). Eu estou a serviço dela (da terra e não da arquimaga. Tudo depende do contexto!)
– Como assim, uma nova arquimaga? O que houve com Haramis? – quis saber a rainha.
– A doença dela se agravou (meia verdade, mas nunca vou dizer que foi minha teimosia que a fez optar pela morte a fim de poder dar à terra uma protetora capaz)!
– Quer dizer então que você foi retirada do convívio de sua família por nada?

A jovem analisou o pai. Ele não parecia aborrecido com o assunto anterior nem com esta pauta que ele mesmo levantara. Mikayla entendeu que para ele não fazia diferença o que aconteceria com ela desde que o resultado fosse satisfatório: uma filha feiticeira ou casada com um pretendente promissor não eram alternativas ruins. Naquele instante lembrou-se que os pais não a procuraram em nenhum momento durante os anos que vivera com a arquimaga; ainda que estivesse sob a tutela de alguém da mais alta importância para o reino, não recebeu a visita de sequer um mensageiro. Ou talvez Haramis tivesse suprimido as mensagens?
“Eu as encontraria”, pensou
 – Não vejo desta forma meu pai. Com certeza não aprenderia metade do que sei se tivesse permanecido na Cidadela, muito menos conheceria as necessidades de nossas terras como conheço agora. Ademais, a única coisa que me foi ruim nesta história toda foi ser obrigada a ficar afastada de Fiolon, o único que sempre se importou comigo, uma vez que vocês, se já me ignoravam antes certamente continuariam fazendo-o depois! - e diante das expressões enrubescidas de seus pais, pediu mais vinho e mudou de assunto.

Mais tarde, quando soube do acontecido, Fioloin foi às gargalhadas. Mikayla havia relatado seu “dia de princesa” com escolhas de músicas, vestidos e comidas – escolhas não, pois a mãe decidira tudo por ela explicando lhes as tradições - que a jovem dividiu nas que deveriam ser preservadas e as que beiravam o ridículo  – como passear pela avenida saudando os cidadãos após consumarem o casamento.
– E você, como foi seu dia em Var?
– A corte está um alvoroço, como se já não tivessem festas o suficiente todos os dias. Não terei tempo de ir até o meu ducado e inspecionar a construção da vila...
– Vila? Mas que vila?
– Ah droga, - resmungou Fiolon, e na imagem da pequena esfera que trazia no pescoço, Mikayla percebeu que ele enrubescera. – Não é nada! É um segredo.
– Lorde Fiolon de Var: sabe que não gosto de segredos!
– Você vai gostar deste Mika... por favor não me faça perder os dias de disciplina mental tentando ocultá-lo de você por causa de um mero deslize.
– Disciplina mental? O que você fez?
– É apenas um truque, ensinarei para você depois; aliás não sei se deveria ensinar mas enfim... Preciso ir: a comitiva parte em algumas horas e não posso deixar faltar nada para o rei e seus convidados.
– Você deveria dizer “nossos” convidados...
– Política Mikayla. Terá que se acostumar com isso!

Ele piscou com um sorriso maroto e sua imagem desapareceu da esfera. Mikayla tentou não pensar no monte de gente estranha que teria em seu casamento e para as quais seria obrigada a cumprimentar e sorrir com mesuras. Não estava mais habituada a isto, e era um preço pequeno a pagar pela quase eternidade que poderia passar ao lado do seu escolhido. Pensar nisto acalmou-a, mas não lhe trouxe o sono. Rolou na cama de um lado para o outro e ficou observando o teto, esperando o sono que não vinha. O quarto concedido a ela era o mesmo ocupado pela Arquimaga Haramis na época em que essa era somente uma das princesas trigêmeas e a herdeira do trono de Ruwenda. Junto com as irmãs, assistiu ao covarde assassinato de seus pais, o Rei Krain e a Rainha Kalanthe, por invasores Labornokianos comandados pelo Rei Voltrik e o Arquimago Orogastus – e por isso a ideia de um arquimago homem sempre lhe foi odiosa. Na busca da única arma que poderia derrotá-los, o cetro triplo do poder, cada uma das irmãs seguiu sua jornada e foi nesta que Haramis foi ordenada Arquimaga pela sua antecessora, a Arquimaga Binah, que também lhe concedeu sua parte do talismã: a varinha de prata chamada Círculo das Três Asas. Kadiya, a segunda princesa, encontrou seu talismã, uma espada chamada Olho Ardente Trilobado, nas ruínas do Pântano Dourado, onde outrora fora a cidade de Yatlan. Por lá mesmo se perdera, sem ninguém jamais saber ao certo o que lhe ocorrera, inclusive a própria Haramis: muitos anos antes de morrer não conseguia mais ter a visão da irmã, esta até hoje venerada pelos nyssumos e uisgus. Já a terceira parte do talismã, uma tiara chamada de Monstro das Três Cabeças, coube a mais nova e delicada das irmãs encontrar: Anigel, que enfrentou os skriteks, ardilosos habitantes dos pântanos alagadiços. Junto com suas irmãs derrotou o exército labornokiano e após a vitória, as irmãs mais velhas recusaram o trono e coube a ela governar a então Laboruwenda juntamente com o Príncipe Antar, filho do Rei Voltrik mas que se revoltara contra as arbitrariedades do pai e decidira por um governo mais justo.
Tudo isso ocorrera há muitos anos e fazia parte da história dos reinos. Era obrigação de Mikayla conhecer, principalmente para compreender os motivos pelos quais a Arquimaga Haramis colocou suas emoções acima da razão e deixou o lado labornokiano do reino desamparado; cabia agora a ela reparar este equívoco. Pensar nisso a aborreceu e vendo que não conseguiria dormir, resolveu passear pelo castelo. Acabou inconscientemente indo ao antigo quarto de brincar dela e de Fiolon, no décimo oitavo andar da torre sul daquele castelo, onde ninguém ousaria – sequer se preocuparia – em ir procurá-los. Subia as escadas silenciosamente e sem perder o fôlego, afinal vivia nas montanhas em uma torre tão alta quanto, quando ouviu umas risadinhas furtivas vindas do lugar. “O que está havendo lá em cima?”, perguntou-se, porém, ao chegar, as risadas pararam e não viu ninguém. “Devo estar ficando louca!”. O lugar era pura poeira, mas as marcas de pés no assoalho indicavam que ainda tinha uso para alguém. Mikayla dirigiu-se para a sacada e ficou observando as três luas no céu, todas em quarto crescente. Queria casar-se na lua cheia, mas se a comitiva de convidados atrasasse isto poderia não ser possível.
Foi então que um barulho próximo à porta a assustou:
– Quem está aí?
– Sou eu, irmã!
Era Egon. Mikayla não soube precisar se ele entrava ou saía, uma vez que demorou-se na porta até resolver se aproximar.
– Pensei que este quarto tivesse finalmente sido inutilizado depois que Fiolon partiu – disse ela.
– Ele é mais utilizado do que você imagina – comentou o rapaz, com certa malícia no olhar. Mikayla concluiu que estragara os planos dele indo até lá; aliás, com certeza os planos dele e de alguma outra pessoa – Então, pelo que vejo estava sem sono e resolveu vir recordar-se do tempo que ficava aqui trancafiada com Fiolon?
– Sim, costumávamos ficar aqui partilhando as descobertas de nossas explorações, lendo pergaminhos interessantes, planejando fugas ou simplesmente deixando o dia passar entretidos em algum jogo de estratégia esquecido – respondeu ela, fingindo ignorar as insinuações do irmão. – Ao contrário de muita gente, passávamos o tempo educando nossas mentes e desenvolvendo nossas habilidades, por isso merecemos nossas conquistas.
– Não vejo grande coisa ser Duque de Let quando se é filho de um pai desconhecido
Mikayla ralhou internamente consigo mesma, pois quase revelara ao irmão sua condição e a de Fiolon também como arquimagos da terra. Mudou de assunto, e de maneira mais amistosa, perguntou sobre seus outros irmãos, que já estavam casados e não viviam mais na cidadela, com exceção do príncipe herdeiro. Durante a conversa, novamente Mikayla sentiu-se ignorada pela família: houveram casamentos mas nem sequer um convite, que poderia libertá-la das obrigações com Haramis, mesmo por poucos dias. Egon contou-lhe resumidamente o que aconteceu com cada um de seus irmãos e como o castelo foi ficando mais vazio com a partida deles.
– Foi muito ruim ser o ultimo herdeiro e ter que andar por aí sozinho – lamentou-se ele
– A mamãe finalmente te deixou livre?
Egon fez cara de desprezo
– Quando digo “sozinho” quero dizer com alguém da minha idade, para brincar, divertir-se e ter aventuras, não um bando de educadores ou a mamãe querendo-me ao seu lado para expor às visitas como um bicho de estimação...
Outro sentimento atravessou o coração de Mikayla: pena do irmão. Lembrou-se de si mesma nos primeiros anos de treinamento para ser arquimaga, após Fiolon ser expulso pela primeira vez. Ainda não havia desenvolvido perfeitamente a comunicação mental e sua companhia mais agradável era uma harpa falante, já que os empregados cumpriam seus afazeres domésticos sem dar muita atenção a ela. Compreendia o irmão: no meio de muitas pessoas, também estivera sozinho.
– ... mas agora sou dono do meu próprio nariz e posso fazer o que quiser: festas, jogos, caçadas, expedições...
– Só isso?
– E o que mais poderia? Quer que eu me tranque em uma torre e me torne arquimago? Ou nem isso?
A pena que Mikayla sentia foi embora:


– Quer saber, tem razão Egon: faça o que quiser da sua vidinha real, só sugiro que pense bem para não se arrepender depois. Para seu governo, ser um arquimago é mais do que ficar trancado em uma torre, exige sabedoria, amor e dedicação à terra. Requer conhecimento. Mas você não precisa disso, não é verdade? Afinal, com seu rostinho lindo pode ter o reino aos seus pés e aniquilá-lo com o polegar. Mas beleza e nobreza não são tudo nesta vida, caríssimo irmão, e você se lembrará disto quando estiver a beira da morte e não tiver feito nenhuma grande realização! – esbravejou ela, e antes que o outro tivesse qualquer reação, virou-lhe as costas e o deixou sozinho no sótão, com o pedido de desculpas entalado na garganta e muitas dúvidas na mente...

sábado, 29 de abril de 2017

Arquimagos - Casamento de Arquimagos

O atual e aclamado autor brasileiro, Eduardo Sphor, faz a seguinte recomendação aos fãs que desejam seguir na carreira literária: escreva. Bom ou ruim, escreva. Algumas horas por dia, escreva. 

Exercitar o cérebro lendo e escrevendo é a única maneira de desenvolver o seu  talento. E um bom exercício de escrita são as fanfics, ficções criadas por fãs  baseadas em histórias de outros autores. Geralmente vem do desejo imenso de preencher vazios, ou simplesmente a vontade de continuar uma história.

A  série da fanfic a seguir é baseada no livro A senhora do Trílio de Marion Zimmer Bradley, que por sua vez vem a ser o quinto e último livro de uma série iniciada em O trílio negro, obra escrita por ela juntamente com Julian May e Andre Norton. Se é importante lê-los antes de acompanhar esta história? Talvez sim, caso queira se aprofundar no que aconteceu antes dos personagens que encabeçam esta história e ter maiores detalhes do mundo das três luas criado pelas autoras. 

Desejando somente acompanhar, ler A senhora do Trílio basta...

Capítulo I - Casal


Levantou-se cedo, antes mesmo do sol brilhar através das vidraças da torre e lhe desejar bom-dia. Enquanto os cabelos avermelhados, ainda emaranhados, cobriam parte de seu rosto, procurou respirar fundo e controlar-se para vistoriar mentalmente seu território, cada parte de uma vez.  As terras onde se deitava o Reino de Laboruwenda, oriundo da fusão dos reinos de Labornok e Ruwenda após uma guerra ocorrida duzentos anos antes dela nascer, dependiam desta varredura todas as manhãs. Com o tempo aprendera a fazer isto com cautela: antes era invadida pelo “sentido da terra”, e o excesso de informações era demais para uma mente tão jovem processar.

–“Bom dia Mika!” – o cumprimento invadiu seus pensamentos, tão logo terminou a tarefa – “agora que acordou pode vir aqui me ajudar?”

Mikayla não respondeu. Calçou os chinelos felpudos e o robe aveludado que ajudava a suportar a temperatura gélida dos corredores da torre em que habitava - não que fossem necessários, pois aprendera a controlar a temperatura do próprio corpo anos atrás. A porta do quarto ao lado estava entreaberta: um rapaz encontrava-se aos pés da cama arrumando uma bolsa de viagem. Pouco mais alto que ela, possuía um farto cabelo cacheado e preto, cortado de maneira a deixar a nuca à mostra. Não era musculoso como os guerreiros e soldados que conhecia, era até um tanto magricela, mas havia nele a postura e a graça dos que habitam na corte.
Ela foi entrando pé ante pé.
                – Estou sentindo você! – o rapaz se virou e a abraçou. Ela tentou resmungar qualquer coisa mas ele a cobriu de beijos – Você esqueceu-se de se bloquear, Arquimaga!
          – Você que é um Arquimago muito intrometido, Senhor Duque Fiolon de Var! – Ela olhou para a bolsa quase pronta, com ar de desânimo – Precisamos mesmo disto?
         – Já lhe expliquei que sim... É necessário manter as aparências para evitar um conflito entre nossos reinos e preservar nossa segurança. Segundo as tradições, arquimagos são celibatários e tirando nosso empregados, ninguém mais sabe o que somos; o Rei de Var anda me apresentando para alguns homens influentes da corte, que possuem belas filhas, se descobre o que você se tornou, insistirá para que eu faça alianças através do casamento.
                – Isso nunca!
               – E se tua família descobrir o que eu sou pode me impedir de ficar com você, temendo o passado desconhecido do meu pai...
              – Eu sei... Acho que só estou nervosa: não vejo meus pais há anos e apesar de não sentir a mínima falta deles (e ter certeza de que não sentem a minha!), é estranho voltar para o castelo e celebrar meu casamento!
Neste instante Enya, a serva nyssomu, bateu na porta, informando que o café estava posto na sala de refeições. Fiolon pôs a bolsa nas costas e desceu com as duas mulheres. Enya informou-os que soube através de sua irmã Ayah, que trabalha no castelo, que as pessoas na Cidadela já estavam ansiosas para saber como estava a sexta filha do rei. Retirada da companhia dos pais aos doze anos de idade pela antiga arquimaga da terra, Mikayla foi treinada para ser sua sucessora, mas não aceitou de bom grado, o que rendeu uma série de problemas, contratempos e rixas entre as duas. Porém seu íntimo sabia que aquela era sua função, uma vez que entendia o chamado da terra como poucos. Passados seis anos, todos queriam saber que mulher aquela criança teimosa se tornara, agora educada na companhia de uma maga.
Mulher... Mikayla não sabia quando se tornaria uma. O envolvimento com magia pareceu atrasar o desenvolvimento dos corpos dela e de Fiolon, que também recebera educação para magia no mesmo período em que Mikayla esteve com a Arquimaga: tinham dezoito anos, mas quem os vissem dar-lhes-iam no máximo catorze, devido aos traços ainda infantis. A única explicação que conseguiram para isto era a longevidade dos arquimagos: Haramis, a antiga arquimaga, vivera 200 anos; a arquimaga antes dela, Binah, também. Não havia registros disto nos livros da biblioteca da torre em que viviam, nem em nenhum outro lugar que conhecessem; apesar de Haramis ter tentado ao máximo prepará-los e juntar todo conhecimento que tinha naquela propriedade, muitas informações ficaram de fora.
– Precisaremos usar truques de magia para parecermos mais velhos, Fio... um pouco de charme cairá bem...
– Não exagere: não quero ninguém tentando conquistá-la!
– Deverei parecer um monstro então? Um skitreck fedorento bastante escamoso?
Fiolon sorriu. Ele foi o real motivo de Mikayla ser tão relutante em aceitar seu papel como futura arquimaga; segundo as lendas, tornando-se uma, ela não poderia se casar. Mas um golpe do destino fez com que Fiolon se tornasse o arquimago das terras de Var, o Lorde Branco, em uma vã tentativa de Haramis de mantê-los separados: ao enviá-lo para longe de Laboruwenda, ele, com o pouco de magia que já dominava, foi tomado pelas terras de Var, o reino vizinho, para ser seu protetor. Escondeu sua verdadeira vocação até de seu tio, Rei daquelas terras, que o recebera na corte de braços abertos e tornou-o um de seus favoritos.


Tão logo terminaram o desjejum, Fiolon chamou um abutre gigante; partiria para o reino de Var a fim de ter uma audiência com o Rei, que representaria seus pais durante o casamento, já que a mãe morrera no parto e ninguém nunca soube quem era seu pai – o maior escândalo que uma corte já viu. Despediu-se de Mikayla, que ficou vendo-o partir até que se tornasse um pontinho no horizonte. Haramis o expulsara inúmeras vezes daquela torre; aquela era a primeira vez que não havia pesar na separação, e seu casamento era um meio de garantir que isto jamais iria acontecer, ainda que precisassem passar longos períodos separados, já que, como arquimagos de terras distintas, estar nelas era fundamental para atender as necessidades que surgissem e restabelecer o equilíbrio caso alguma coisa desse errado.


Encontrava-se já fora das vistas de Mikayla quando o pingente do colar que carregava aqueceu-se e um “eu te amo” desviou seus pensamentos. Ele não precisou dizer, bastou apenas pensar: a léguas de distância, a jovem de cabelos avermelhados sentiu o peito arder por causa do colar idêntico ao que o rapaz usava, e em seu íntimo ouviu a resposta: “eu também amo muito você!”