Às vezes vivemos algo tão
intensamente que carregamos aquilo para sempre. Pode ser um relacionamento, uma
amizade, pode ser um filme que assistimos, um livro que lemos... ou
simplesmente um lugar. Um lugar como outro qualquer, mas que para nós foi
plenamente mágico.
Eva Ibbotson viveu isso quando
era criança e o lugar nada mais era que um colégio interno. Não um colégio
cheio de regras como a maioria dos internatos, mas uma escola progressista. Ela
amou tanto este colégio e tudo que viveu ali que ele se tornou quase o
personagem principal deste livro. Quase, por que as personagens principais são tão
encantadoras e maravilhosas quanto esta escola deveria ter sido para a autora.
“O refúgio do príncipe” fala
sobre a amizade e princípios. Um a garotinha de família humilde vai para uma
escola interna, pois seu pai teme que a segunda guerra a atinja, e nos campos ela
estaria segura. Lá, misturada a outras crianças tão diferentes e especiais
entre si, a menina aprende a ser livre. Mas tem mais: o livro também conta a
história de um jovem principezinho de um país fictício, Karil, que vive preso
às convenções da monarquia. Filho único e sem mãe, ele sofre por não ser uma
criança normal. Até que em uma feira escolar internacional realizada em seu
país ele conhece Tali, a menina citada acima, e com ela e seus amigos travam
uma amizade surreal. Mas aí a guerra explode; Alemanha faz da Inglaterra sua
inimiga e todos os países que dizem não à Hitler ficam em perigo, e isto inclui
o pequeno país de Karil. Mas crianças não entendem de guerra; entendem de
amizade – e esta amizade supera todas as diferenças sociais e nacionais que o
mundo adulto geralmente decide impor.
É um livro infanto-juvenil sim,
mas nos deixa lições de liberdade que vale a pena serem analisados. Liberdade essa
expressada no antagonismo entre uma modelo vivo que resolve dar aulas e
cozinhar no colégio onde Tali vai estudar e uma atriz que esconde a filha para
manter o sucesso e a juventude. As diferenças sociais e de caráter também estão
marcadas na conduta entre o pai e o tio de Tali: ambos são médicos, porém o
primeiro resolveu exercer a medicina em benefício da salvação do próximo, lhe
rendendo horas extras de trabalho e condições medianas para prover a família,
enquanto o segundo cobra fortunas de suas consultas e com isso adquire um
padrão melhor de vida. A narrativa é
delicada, porém não deixa de pesar as mágoas de Karil e Tali quando suas dores
são expostas. Ambientado no período da Segunda Guerra Mundial, flashes de como a sociedade inglesa se comportou na época e como as crianças receberam essas
mudanças é outro ponto forte da história.
Mas é inegável que a escola faz
sua grande participação no contexto da narrativa. Tanto que a autora reservou
uma nota esclarecedora sobre ela logo no início do livro:
“A história de O refúgio do príncipe é uma aventura imaginária. Mas o
Colégio Delderton baseia-se numa escola para onde me mandaram há muitos anos e
que me surpreendeu logo que cheguei lá, assim como surpreendeu Tali.
Quando cheguei, era uma menininha um bocado tímida e bem-comportada, de
um convento de Viena, onde nasci. A primeira coisa que fiz foi uma reverência
diante do diretor, que me recebeu no pátio do colégio – o que muito fez rir a
crianças que observavam, a ponto de uma delas cair de uma árvore.
Logo me dei conta, no entanto, de que aquela era uma escola diferente
de todas as outras. Aulas espantosas de biologia – que às vezes começavam às
quatro da manhã - , uma cozinheira que havia sido modelo de artista, a cabana
dos animais de estimação com sua coleção de bichos esquisitos – tudo isso fez
parte de minha vida no colégio. Como Tali, eu achava difícil ser “livre” e “progressista”
– no entanto, cedo incorporei aquele lugar estranho com o mesmo apreço que
tivera pelo lar que perdi quando fugi de Viena -, o que não quer dizer que não
fomos afetados pela guerra. Do telhado plano do ginásio do colégio, minhas amigas
e eu vimos Plymouth, a cerca de quarenta quilômetros de distância, incendiar-se”
Um livro adorável, para crianças
e adultos.
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