sábado, 26 de julho de 2014

Resenha #1: Uma bondade complicada

Autor: Miriam Toews



Não leia esta história se você estiver deprimido ou triste, angustiado ou algo do gênero. Você cortará os pulsos. Por outro lado, se, e somente se, você já estiver no fundo do poço, perceberá que a única saída é subir, escalar as paredes de volta ou se deixar boiar enquanto o poço enche novamente – ok, esqueça esta alternativa pois pode demorar muito e tudo que sobrará até a água atingir a abertura do poço serão seus ossos! O importante é que ao fazer esta leitura e condenar – como eu! - a nossa anti-heroína, você estará automaticamente se livrando das prisões mentais que criamos ao nosso redor.

O livro narra a história de Nomi Nickel, uma jovem de 16 anos que vive em uma cidade canadense dominada por fundamentalistas cristãos. Na visão de Nomi, aquela cidade é o típico lugar onde as pessoas escondem suas frustrações embaixo do tapete e acreditam estar fazendo alguma coisa boa. Procuram, apontam e condenam os erros dos outros na tentativa desesperada de que ninguém encontre os seus. O comportamento radical abre precedente para os dois extremos: o do bom e do mal comportamento. Os jovens como Nomi vivem a fachada de uma vida “exemplar” mas  se esbaldam com drogas e festas de fundo de quintal. Cumprem seus períodos escolares mas não há perspectiva de futuro promissor – ou, no caso o desanimadora perspectiva de nascer crescer casar procriar e morrer. Viver é consequência, uma consequência ruim até, pois pelos preceitos daquela religião, a felicidade não deveria ser incentivada –ao menos foi o que eu entendi.  

À esta altura você se pergunta: e porque ela não vai embora deste lugar? Porque fizeram isto antes dela. Sua mãe e sua irmã mais velha foram embora, deixando ela e o pai sozinhos a enfrentar a “piedade” dos cidadãos locais. Não há muros, não há amarras, mas ela se prende ao pai para não ir embora, com medo de ser egoísta como a mãe e a irmã. Há um mundo de poucas palavras entre eles, e um medo implícito em ambos de que Nomi faça como as outras. Aliás, desde o início o leitor já sabe que mãe e irmã abandonam a família – inclusive está na sinopse do livro – e tem uma breve noção do porquê. Mas á medida que a história vai avançando, vamos nos aprofundando  nos motivos de cada um, mesmo que somente sob a ótica de Nomi, e compreendendo as amarras que a prendem.  Pense em crescer achando que uma coisa é errada e de repente dentro de sua própria casa certo e errado se confrontam, e o errado vence. Como fica a sua mente?

Há uma cena particularmente interessante em que, após ser despertada mais uma vez pelos gritos da filha que chorava pela partida da irmã, a mãe de Nomi a pega pela mão e a leva na casa do pastor – que também é seu irmão. “Peça perdão à ela”, ela diz “Peça perdão à ela e diga que sente muito”. O homem está exasperado por ter acordado de madrugada e a Nomi, ainda uma criança, não entende muito bem o que a mãe quer dizer com tudo aquilo. Mas ela chorava todas as noites, não só porque a irmã foi embora, mas principalmente porque em sua cabecinha manipulada a irmã estaria à caminho ou já no inferno e ela não queria este destino para a amada irmã – ninguém quer! E a mãe sabia disso, e mais, sabia que sua filha mais nova estava sofrendo por uma coisa que ninguém tinha de fato certeza, sofrendo porque estava sendo criada sob o regime de uma fé cega que não poderia ser questionada, sem que houvesse condenação. E o pior, ela mesma, a mãe, começava a se questionar. O pedido de perdão do pastor era um jeito de dizer para a filha “Calma criança, não é tão radical quanto parece”.

E seis meses depois da partida filha, a mãe de Nomi também vai embora, e só então esta passa a questionar um pouco mais as afirmativas ao seu redor, “a bondade complicada” que dá nome á versão em português deste livro.


O livro é todo em primeira pessoa e hora se confunde como um diário de pensamentos, hora como um evento cotidiano. Nomi é uma adolescente e sua escrita é confusa e isso é chato inicialmente na história mas se revela uma tacada perfeita. Em uma frase a autora exprime toda uma ação deixando á nossa imaginação os detalhes. Por exemplo, ao invés de descrever uma cena em que põe fogo em um carro, como e porque aquele ato foi feito, ela simplesmente escreve “lavei as mãos mas ainda cheiravam á gasolina que joguei no carro em frente ao motel antes de queima-lo” ou simplesmente “podia sentir daqui o cheiro da fumaça do carro que incendiei antes de voltar para casa”. E corta para outra cena. 

Relembrando, não leia este livro se estiver se sentindo para baixo; é um livro de uma narrativa infeliz.Mas com paciência e persistência, com o auxílio da psicologia reversa pode-se tirar dele lições e buscar soluções até para os nosso problemas. Já dizia um conto em que um jovem procurava um sábio para auxiliá-lo a resolver os seus problemas dizendo que a vida não seguia adiante por causa deles. O sábio de agarra a uma pilastra dizendo que não conseguia fazer nada porque aquela pilastra não deixava. O jovem simplesmente diz "solte a pilastra". "Taí a sua resposta", diz o velho sábio.

Ás vezes não são as coisas que nos prendem: somos nós que nos aprisionamos à elas.