Há um homem que eu vejo passar
frequentemente. Na verdade eu passo; ele está parado. É um violinista.
Quando o ouvi tocar pela primeira
vez era Natal, e a melodia me encantara. Eu não tinha trocados, não pude lhe
agradecer a música concedida. Mas a melodia ficou em mim. Depois, vez por outra,
ele estava tocando em algum lugar das ruas por onde eu passava. E se de início
havia muitas pessoas em volta admirando-o, depois tornou-se figurinha fácil,
outros concorrentes surgiram e as pessoas foram perdendo o interesse.
Mas eu não.
Eu nunca parava, não conseguia, mas
a música sempre chamava a minha atenção, me acompanhando enquanto seguia meu
caminho. Por alguma razão estranha passei a olhar bem dentro dos seus olhos
quando nossos caminhos se cruzavam; ele parado, eu seguindo, buscando em sua face o rosto de um velho amigo. Tornou-se
tão conhecido para mim que quando o encontrava sem os seus instrumentos, minha
memória enviava a mensagem de que era alguém de quem eu gostava. “Quem é ele,
de onde eu o conheço?” eu me perguntava. “Ah, já sei, é o violinista”.
Fantasiei-lhe uma história digna dos
heróis românticos do século XIX, os músicos boêmios, que tentavam a sorte de
lugar em lugar, despedaçando-se em amores vãos ou em busca do sentido na vida. Eu
o vejo em silencio, embriagado de alegria por uma nova composição, sozinho em
um quarto mal arrumado, em uma pensão em decadência. Pode parecer estranho, mas
é um pensamento que me dá paz, me leva a um estado de eterno Natal, onde a
música e a poesia são os ingredientes de um viver feliz.
Então eu viro para o lado, caio da
minha cama e acordo; afinal ele é somente um violinista de rua! Alguém que
resolveu ganhar algumas moedas em troca de demonstrar o seu trabalho. Nada sei
sobre ele além disso.
Ainda assim, quando o som da sua
música vier me chamar e nossos caminhos se cruzarem, meus olhos vão sempre
buscar os seus, minha boca vai abrir-se em um sorriso tímido, e eu seguirei
adiante. Até o dia em que, talvez, pare, e numa pausa entre suas canções, tome
coragem de finalmente lhe falar: “Como vai, meu amigo?”
Créditos da imagem: http://wmky.org/programs/sunday-night-jazz-showcase