quinta-feira, 4 de julho de 2019

Arquimagos - Explorando Labornok

Fanfic baseada na obra "A senhora do Trílio" de Marion Zimmer Bradley, por sua vez parte integrante da série Trílio, onde participaram também as autoras Julia May e Andre Norton.

Capitulo XV - Doente

A recuperação de Mikayla não foi lenta, apesar de levar dois dias inteiros até que ela despertasse de vez. Delirou algumas vezes, atacada por pesadelos. Em um deles, uma loba corria desesperadamente pela floresta, perseguida por seres que não eram nyssomus, pareciam metade homens metade cães. Em outro, mulheres cozinhavam crânios humanos em um caldeirão fervente. A garota acordava aos gritos, prontamente acalmada por Fiolon.
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–“A terra está sofrendo de novo Fio, e eu não sei por onde começar a ajudar”
–“Encontraremos um jeito, vamos restabelecer a paz em Labornork” – ele a acalentava.

Fiolon fez o melhor que podia com as ervas que tinha à sua disposição, mas era ela quem dominava melhor a arte da cura. E não pôde deixar de rir dos pequenos erros que ele cometeu em suas tentativas:
– Deveria ter macerado as folhas do sandogueiro ao invés de simplesmente aquecê-las ao fogo: potencializaria mais o processo de cura. – Ela o orientou. Os hematomas melhoraram a aparência, porém ela ainda sentia dores internas e nada poderia ser feito quanto a isto. Fiolon cogitou retornarem para a torre branca, mas Mikayla recusou-se prontamente: deveriam continuar a exploração até os mares do norte.
Somente na manhã do quarto dia Mikayla despertou mais descansada e revitalizada. As dores eram menos incômodas e ela se permitiu um alongamento leve. Fiolon despertou poucos minutos depois e sentiu-se aliviado por vê-la movimentar-se.
– Sabe, agradeço aos Senhores do Ar por você vestir-se mais como amazona do que como princesa!
Mikayla não gostou muito do comentário. Era verdade que habituada à exploração desde criança, ela acostumou-se a vestir calças em quase todas as ocasiões, exceto quando em algum evento real. Porém, seguindo o raciocínio do arquimago, vestidos bufantes ou de qualquer espécie teriam facilitado o serviço de seus captores quando tentaram lhe fazer mal. Esta “lógica” foi o que incomodou seus pensamentos; afinal que lugar é este que uma mulher precisa cuidar de suas vestes para evitar ser atacada? “Quem faz isso sequer pode ser considerado humano ou humanoide!” pensou consigo. Tinha todo o dorso enfaixado com as tiras de sua blusa, rasgada por Fiolon para fazer os curativos: ele lhe oferecera a própria blusa para quando retomassem a jornada; sua frustração com o comentário do marido, porém, a fizera cogitar a possibilidade de prosseguir sem ela.
Caminharam seguindo o leito do rio a passos lentos. Comiam o que a terra oferecia e do próprio rio saciavam a sede e aliviavam suas necessidades. Mikayla estava mais forte, mas percebia Fiolon fraquejar de vez em quando.
– Está sentindo alguma coisa Fio?
– Estou bem.
Mikayla reparou que a pele dele brilhava de suor e não era da caminhada. Aproximou-se e pôs a mão em seu rosto. Fiolon tentou se desvencilhar, mas ela foi mais rápida.
– Você está ardendo em febre!! – disse horrorizada – desde quando está assim?
– Começou esta manhã. Acho que posso aguentar até a próxima aldeia
– Mas que coisa, Fiolon porque não me avisou? Não podemos prosseguir com você neste estado!
– É só um mal estar repentino Mika, vou melhorar.
Mikayla analisou-o de cima abaixo até que finalmente percebeu o rasgo em sua perna, provocado pelo corte com a faca.
– Deixe-me ver isto! – ordenou. Fiolon hesitou antes de mostrar o ferimento. Estava inflamado e purulento. – Céus, você passou estes dias cuidando de mim e esqueceu de si próprio? 
– “De nada” por isto – ele resmungou, aborrecido.
Mikayla tentou apaziguar.
– É claro que estou agradecida Fio, mas isto nos coloca no mesmo problema de antes, de não podermos prosseguir. Com certeza isto está infeccionado e não há recursos conhecidos por aqui para limpar seu sangue, não conheço a botânica de Labornok.
– Mais uma coisa para colocarmos na lista de aprendizados!
– Você realmente está tentando ser engraçado? Vamos, precisamos encontrar uma clareira. Vou chamar um abutre para nos levar para casa...
Fiolon queria ir para casa. Queria a sopa quente de Enya e seus cobertores. Estava cansado e sabia que cometera um erro ao tentar sucessivos feitiços de cicatrização sem analisar a profundidade do ferimento, focado em cuidar de Mikayla. Mas seu instinto lhe dizia que aquela terra precisava de ajuda, e eles não podiam recuar.
– Espere! Porque não vamos para Derorguila? O abutre pode nos deixar próximos à cidade; lá terei condições de me tratar e você pode continuar a pesquisa.
– Tem certeza?
– Sim. Esta terra tem problemas; não sabemos o que é, mas precisamos salvá-la.

***

Anoitecia quando Olho Vermelho deixou-os no limite da capital, numa área em que o pouso de um animal como ele não causaria tumulto entre os habitantes; séculos antes, voors transitavam livres pelos céus, mas os conflito entre as terras fez com que os povos das montanhas se isolassem, e com isso os animais da região - isso também era outro sinal do descaso da arquimaga Haramis. Olho vermelho tinha uma repulsa pessoal por aquela área, mas como era o único abutre que poderia viajar à noite, atendeu à solicitação dos Arquimagos.
– Meus algozes, os que me queriam escravo, viviam deste lado. Ainda sinto arrepios. – justificou-se ele, antes de partir.
Tão logo o animal alçou voo, os arquimagos puseram se a caminhar. Mal se deslocaram e um barulho chamou sua atenção: passos na floresta vinham apressadamente em sua direção. Os arquimagos se prepararam para um ataque, que se revelou em forma de um encontrão derrubando Fiolon, que instintivamente agarrou seu possível atacante.
– Não, me solte, me largue!  – esganiçou uma voz feminina. Surpreso – e dolorido, já que a queda avivou sua ferida – Fiolon a soltou. Quando a jovem tentou fugir, Mikayla a prendeu com magia.
– Por que nos seguia? – perguntou a arquimaga. 
– Eu não os segui, quero distância de vocês...
– Então porquê nos atacou?
– Por favor, ... não me levem de volta  – disse a jovem, chorosa e derrotada. Ela parecia cansada e os arquimagos concluíram que poderia estar havendo um mal entendido.
– Não vamos levá-la a lugar algum, mas podemos ajudar se nos disser o que esta havendo. – disse Fiolon
A jovem pareceu prender a atenção em Fiolon antes de responder; se Mikayla tinha a visão de um caçador noturno, aquela teria garota também?
– Eu pensei que fossem eles, mas vocês... Vocês não são eles! Seu cheiro é diferente... – aspirou profundamente – Você – sim ela via Fiolon no escuro – cheira a sangue. Eles irão caçá-lo. Saia da floresta e não volte. A primavera está acabando...
– De quem você está falando garota? Quem são eles?  - bradou Mikayla, perdendo a paciência.
Um rosnado alto assustou-os e na distração, a garota fugiu.

“Aquilo foi ela?” – perguntaram-se, passado o susto.
– Poderia ao menos nos dizer qual o caminho mais rápido para sair daqui. – brincou Fiolon, antes de desmaiar.