segunda-feira, 21 de outubro de 2013

A casa de Iris

Nós nunca entendemos que tudo na nossa vida tem um propósito. Creio que seríamos mais felizes se ao invés de brigar contra aquilo que carregamos, tentássemos compreender e assim, usar aquilo como uma ferramenta para alcançarmos coisas boas. Bem, eu só acho...
Pois tenho certeza quem quer quer que leia a história que contarei à seguir, irá dizer que Iris, - como ela também pensava -  tinha um problema.
Eu digo que Iris tinha a solução :) !


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           O mundo de Iris é branco. Tudo aquilo que ela vê é branco: o céu é branco, o Sol é branco, as árvores, as ruas, as praças, os animais... As pessoas são fantasmas, distintos somente pelo som de suas vozes, e uma ou outra curva de seu contorno em linhas escuras – no mais, tudo é branco.
           E ela não era feliz. Iris queria ser como os outros que veem todas as cores, quer senti-las tal qual pássaros e insetos são pelas flores atraídos. Iris desejava o frescor do verde, o calor do laranja, a tranquilidade do azul... mas ela não tinha isso. Pois tudo o que Iris via era branco.
           Até que um dia ela fugiu para um lugar distante, tão nos confins do mundo conhecido que alguém jamais ousara chegar lá: atravessando as fronteiras do desconhecido, ela encontrou-se à beira de um penhasco e sem ter para onde seguir e não querendo voltar, decidiu construir ali a sua morada pois para sua surpresa, descobriu que ali ela podia ver as cores! Decidiu que pintaria sua casa com todas as cores do mundo. A cobertura seria anil, com nuvens douradas, anunciando o crepúsculo. Na sala, todos os tons de verde, ilustrando as matas e, nas circulações adjacentes, todo colorido da flora. Em seu quarto, o fios dourados sob nuvens rosadas num eterno alvorecer. Cidades cinzentas na cozinha, o marrom das estradas do campo na adega, a fúria e a turbulência do azul do mar em sua sala de banhos... em diversos cômodos, Iris pintou toda fauna, e as diferentes raças humanas e as diferentes estações.
           E foi assim, pintando, pintando, que pintou-se também o que não se pode ver nem tocar, mas se pode sentir: lá estava o vermelho da paixão e do ódio, a alegria do amarelo, a delicadeza do rosa-bebê, o roxo do ciúme, a depressão em azul-marinho, a dor surda do cinza, a fúria marrom... quase insana, Iris pintava sem parar.
           Até que a chuva, pura e cristalina, chegou, e a tinta fresca da casa de Iris desbotou. Foi-se um pouco do verde das matas, foi-se parte do céu azul... Os raios de sol misturaram-se com as cidades cinzentas, que invadiram as estradas do campo e tomaram os animais. As cores se fundiram e uma maravilhada Iris via a cascata multicor escorrendo pelo telhado juntar-se  com os rios de sentimentos que fluíam pelo chão, e que juntos atravessavam o penhasco; quase únicos, desaguavam no mar.
          E se aqueles filetes tinham todas as cores, Iris pensou que o oceano seria a miscelânea de tons que ela tanto desejara ver. Insana, correu para avistar o mar. Lá chegando, primeiro se espantou; depois, finalmente compreendeu, e por fim sorriu: no mar, ao unirem-se todas as cores de Iris, novo branco se formou.     

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PS: A imagem que encabeça esta história é da Turma da Mônica, desenhada e roteirizada por Mario Cau e publicada no livro MSP+50 sob o título "para estar junto". Ilustra esta história pois ambas, esta e a do Mário,  retratam através das cores o antagonismo dos sentimentos que carregamos dentro de nós. Para a leitura desta, acesse: http://www.mariocau.come descubra um pouco mais do trabalho deste artista, e porque da associação entre ambas!



domingo, 29 de setembro de 2013

As crianças do meu quintal

Este conto foi publicado em 2008, na antologia de contos "O outro lado do Sol". Não há muito a se falar sobre ele: talvez evoque à Casimiro de Abreu e seus "oito anos", ao deixar subentendido a saudade daquela época em que tudo era divertido, mágico, puro. E se a nós, cuja mortalidade limitada nos concede eventualmente um desejo de voltar no tempo, que dirá daqueles seres cuja caminhada pelo mundo é contada através dos séculos?...

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Às vezes, no verão, uma brisa diferente surge, trazendo consigo o cheiro do passado, da época em que muitas cigarras agarravam a mim seu canto estridente. Época em que eu podia sentir no ar o cheiro dos filhos de minhas irmãs e em que meus frutos não eram ignorados. Eu podia ver o horizonte acima do telhado das casas e acompanhar o passeio do sol pelo firmamento. Mas desta época, o que eu sinto mais falta, é do barulho das minhas crianças.  
Eram em número bem menor do que as folhas em meus galhos, mas sua alegria valia por todas elas. Levantavam-se cedo e permaneciam muito tempo na casa, fazendo um não-sei-o-quê de coisas que os adultos mandavam - sei disso porque já as vi chorar inúmeras vezes por não terem cumprido suas tarefas antes dos adultos chegarem. Durante boa parte da manhã o cheiro de eucalipto do desinfetante misturava-se ao amaciante de roupas e se espalhava pelo quintal de terra batida, em cujo centro eu dominava. Podia ouvir suas vozes acompanhando as melodias dos rádios, e ver o pó saindo da tapeçaria pendurada na janela. Então, de repente, como se um cantar de galo as despertasse para o mundo lá fora, elas, todas de uma vez, saíam de suas casas para brincarem ao meu redor. Às vezes, traziam consigo miniaturas de suas casas e eu nunca entendi porque criar uma casa de mentira se já tinham uma de verdade. Outras vezes vinham sem nada, e ficavam correndo de um lado para o outro, uns se escondendo, outros procurando. Eu me divertia em ocultar os mais ousados no alto de meus galhos.
                Quando muito cansadas, minhas crianças montavam uma grande cama sob minha sombra e um deles – geralmente dos maiores – era escolhido para contar uma história, enquanto os outros adormeciam. Mas eu preferia os dias em que, sem vontade de dormir, subiam em meus galhos e fingiam estar em navios, aeronaves – estas coisas eu nunca vi, mas os pássaros me contaram que são muito grandes! – ou em qualquer outro lugar que suas mentes pudessem imaginar. Nas tardes em que o calor era insuportável até para mim, recolhiam a água de um poço, cujo lençol d’água também me alimenta, e com ela banhavam-se no próprio quintal, e criavam novas brincadeiras para se refrescarem.
                Não posso jamais esquecer das tardes de primavera, quando meus braços estavam arqueados pelo peso dos meus filhos, e as crianças se penduravam em mim, libertando minha cria, e a chuva de frutinhas negras manchava tanto suas línguas quanto suas roupas. Eu sentia um enorme prazer em vê-las saciadas com algo mais que eu podia lhes oferecer, além da sombra. Elas me davam tanta coisa, aquelas crianças...! Suas vozes, seus sorrisos, suas mãos pequenas tocando em meu tronco, querendo abraçá-lo sem conseguir, querendo saber o quanto mais eu iria crescer...
Houve uma vez em que no quintal apareceu um cãozinho. Eu sabia que as minhas crianças iriam amá-lo da mesma forma que os adultos iriam odiá-lo. Dito-e-feito, elas não se deixaram intimidar e o esconderam onde nem durante o silêncio da madrugada podiam ouvir seus gemidos. Que alegria poder vê-las brincando com ele durante o dia, dando-lhe carinho e comida, e, antes do sol se por, escondiam-no para jamais ser descoberto pelos adultos! Infelizmente, o segredo não durou até a lua seguinte; como disse, esconderam o pequeno animal tão bem escondido que não se pôde ouvir seus gemidos, nem de noite, nem durante os dias em que foram para um lugar chamado “Casa de Avó”. Quando voltaram, os adultos brigaram muito com elas – mas eu tenho certeza que a culpa foi da tal “máquina de lavar”, que estragou e não cuidou do cãozinho como deveria. Essas máquinas...! 
Enfim, tudo isso foi há tantas luas que eu nem sei ao certo quanto tempo faz. A vida para mim avança de maneira diferente dos homens. Só sei que um dia, após meu sono de inverno, acordei e não as vi. Primaveras se passaram, meus filhos pesaram em meus braços e ninguém veio aliviar o meu fardo. Eu ouvia suas vozes, bem cedinho ou muito tarde, vindas de dentro da casa. E me perguntava por que não vinham ficar comigo. As casas mudaram no quintal, cresceram, outros pequenos surgiram, alguns cujos rostos lembravam os das minhas crianças, mas não eram elas, não brincavam ao meu redor, não comiam dos meus frutos.

 Contei minha história aos pássaros e eles me disseram que além dessas montanhas de cimento que foram erguidas ao meu redor, onde nuvens negras não sufocam, mas trazem chuva, existem crianças iguais às minhas. Meu único desejo é um dia poder erguer meus galhos acima destes prédios e ver esse lugar. Minhas crianças estão lá, eu sei, vivendo e brincando, brincando, brincando...

domingo, 11 de agosto de 2013

O Conto da Mulher que se Perdeu

Acho que para começar, nada mais justo do que informar a vocês os perigos de se atravessar o universo da imaginação: você pode querer ficar por lá! Não, não estou brincando. Você pode se sentir tão sozinho no mundo real, que a fantasia será seu único recurso de sanidade, e é aí que mora o perigo, pois para as pessoas do mundo real você se tornará insano! Meu conselho: equilíbrio é tudo. Deixe as divagações para detrás das cortinas, ou para alguém em quem confia muito e que entenda que esta é sua maneira de encarar as coisas - não tente convencer ninguém, apenas mostre para ele as inúmeras possibilidades. Afinal, tudo o que temos hoje em nossas vidas foi sonho um dia, não foi? Jogue suas pistas; às vezes você encontra sonhadores e divagadores como você onde menos espera (eu já encontrei um num restaurante: era um jovem garçom que me atendia e sentia uma vontade enorme de falar sobre o livro que eu estava lendo, que ele gostaria de ler também!).

Estou explicando isto por causa da história a seguir. Se aconteceu? não sei dizer. Chegou até a mim pelas mãos da noite. Porque todos nós um dia nos sentimos perdidos na escuridão, não é mesmo?!
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Houve uma vez uma mulher que não conseguiu crescer. Não, ela não ficou presa em um corpo de criança como aquele ser de cabelos espetados e roupa verde que todos conhecem; seu corpo amadureceu, sua mente evoluiu, mas ela não conseguiu se adaptar. 
E sofreu. 
E seu sofrimento atravessou as fronteiras do mundo conhecido e alcançou uma amizade antiga, aquela que temos somente quando crianças, e que depois se esvai como a bruma da manhã: tão de repente, que duvidamos se ela alguma vez estivera presente.

Seres oníricos são puros e inocentes. Não são capazes de compreender a diversidade dos sentimentos, os sentem cada qual de cada vez. Quando aquele chamado o atingiu, o alado ser onírico só teve compaixão, e esquecida de todas as regras de que homens acima da puberdade não devem entrar no mundo místico, levou a mulher de volta ao paraíso de sua infância. Lá, ela voltou a sorrir; somente lá, ela conseguia ser feliz. Não pesaram, no entanto, as consequências de suas ações para o mundo real. Ninguém via a amiga acompanhar a mulher enquanto esta caminhava pelas ruas; aos olhares alheios, parecia que esta falava sozinha. Em um mundo onde a imaginação é ceifada cada vez mais cedo, nem mesmo as crianças eram capazes de ver a amiga esvoaçante. A mulher por sua vez passava a maior parte do dia esperando o próprio adormecer, quando seria levada para o outro mundo. Aos olhos dos outros, isto não era normal.  

Então eles chegaram. Com seus uniformes brancos, arrancaram a mulher de seu mundo maravilhoso. Convenceram-na de que ela era uma má influência, e que tudo era obra da sua imaginação. Deram-lhe remédios e um quarto novo em um lugar onde gritos ensurdecedores ecoavam durante a noite. Eram seus ou eram dos outros? Às vezes não sabia... Passou a ter medo de dormir, para que seus sonhos não a enganassem novamente: lhe disseram que só sairia daquele lugar se afirmasse que sua amiga não era real. Mas como podia ser saudosa de algo que não existia? Sentia falta de sua amiga, e em seu íntimo sabia que com o fechar de seus olhos os portões daquele universo mágico abrir-se-iam outra vez: ela correria para lá, era fato, e lá seria esquecida.

“-Ela tinha medo de dormir
- Por quê?
-  Por que quando ela dormia, viajava para mundos sequer imagináveis por alguém.
­- Mas o que isto tem de mais? Acontece com todos nós: chama-se sonho.
- Não, com ela era diferente. O fechar de seus olhos eram a chave que abria o portal para enviá-la a um universo desconhecido. Seus sonhos eram reais. E se ela se perdesse por lá, estaria perdida para sempre.”

A mulher sofria, a amiga sofria. Em seu mundo místico fora condenada a não atravessar o véu entre os mundos. Estava morrendo, não pela sua condenação, mas pelo amor e pela negação daquela que outrora fora a mais doce criança com quem brincara. Estava conformada. Somente vivia por que a mulher ainda acreditava nela. Quando isto deixasse de acontecer, ser-lhe-ia fatal.

Ambas esperavam.

Um dia, ouviu-se um chamado urgente, tão desesperado, que atravessou todas as fronteiras existentes. “Por favor, venha me salvar”

Então a amiga se foi.

Era uma bonita manhã de sábado quando os homens de uniforme branco a encontraram. Os raios de sol insinuavam-se através da cortina e talvez por isso o rosto da mulher estivesse tão corado. Ainda dormia. Dormia e sorria. Tinha nas mãos o símbolo antigo da Aliança entre Deus e os homens, que também era o símbolo dos seres místicos.

Só parecia, mas na realidade mulher não dormia. Ela sequer estava ali. Corria com sua amiga onírica pelas terras esquecidas na memória de sua infância, perdida para sempre naquele mundo encantado de onde nunca deveria ter saído.

Os homens então fecharam a cortina, cobriram seu rosto e finalmente a deixaram brincar em paz.

Chegada...

O terror de todo escritor: a página em branco.


Eu queria começar com alguma coisa genial, algo diferente, bacana, uma introdução espetacular que chamasse a atenção de todos jogassem todos os holofotes para cá mas...cadê a manha, cadê as palavras, cadê as ações?...



Então vou começar assim, tímido, devagar, não escancarando os portões, mas abrindo a porta devagarzinho, e convidando para entrar à quem nesta porta bater.



Seja bem-vindo!


Durante anos relutei para transcrever as minhas histórias para um computador ou um espaço virtual. O pavor quando o computador dava pane e perdia páginas e mais páginas de trabalho era maior do que o fogo que pudesse consumir ou das traças que pudessem se alimentar do papel que abrigava meus textos. O cheiro da caneta azul e a forma tão pessoal de escrever nunca deixarão de ser para mim, importantes para o desenvolvimento de uma boa história. Pura sinestesia... prefiro rabiscar o erro do que apagá-lo como se ele nunca tivesse existido; assim sou eu, rs! 


E mesmo assim sucumbi ao charme da modernidade: como publicar livros não sustenta uma família neste país, ter isso como hobby não faz mal... e conversar também não!


Então vamos ao que interessa: não prometo ter a autenticidade como marca registrada mas tentarei ao máximo, quando não estiver contando histórias, ser sincero em minhas opiniões. Discussões serão sempre bem vindas, desde que de maneira educada - posso até mudar de opinião, desde que os argumentos sejam convincentes! Mas aqui o foco principal serão as histórias. Livros, contos realidades publicações, fanfics... tudo que o universo da imaginação neste ramo permitir. 

Apenas uma nota: o livro da moda não vai estar aqui. Explico: geralmente as empresas fazem uma campanha exagerada por uma história que milhões lêem mas que o conteúdo é fraco. Temos aquela mania insossa de seguir a boiada, "esta todo mundo fazendo, então também vou fazer". Quando o markentig é "milhões já leram" para mim significa que não houve critério algum para o conteúdo, então melhor esperar a poeira baixar. Sabe, igual as nossas músicas entende? O hit do momento, é só o hit do momento; daqui a 2 anos ninguém se lembra direito - ou pior, lembra, sabe cantar de cor, mas acha brega, ultrapassado.

Uma boa história nunca é brega, ultrapassada.
Uma boa história atravessa tempos e gerações.
Uma boa história sobrevive, porque é imortal.

E é sobre isso que tentaremos conversar por aqui...