domingo, 8 de outubro de 2017

Arquimagos - Explorando Labornok

Capítulo X - Abrigo


         Os arquimagos seguiram as orientações dos vispis e se mantiveram rumo ao norte, onde poderiam encontrar uma boa quantidade de vilas oddlings ao longo do caminho e se manterem abastecidos. Labornok não era tomada de pântanos como Ruwenda, suas florestas possuíam solo firme mesmo ao sopé das montanhas de neve; porém a era uma mata densa, bastante fechada, como se nunca tivesse sido explorada. Era fácil se perder nas trilhas já que elas praticamente não existiam e a copa das árvores não permitia uma orientação fácil pelo céu; Mikayla utilizava-se do amuleto de trílio herdado da antiga arquimaga como guia, uma peça em âmbar, contendo um trílio negro, símbolo de Ruwenda, cristalizado. As tribos pelas quais passaram estavam terrivelmente decadentes; parecia que o estrago feito pela guerra entre os dois reinos duzentos anos atrás insistia em deixar suas marcas. Conversando aqui e ali, os arquimagos entenderam que muitos jovens nyssumos partiam para as cidades litorâneas em busca de trabalho; não havia o que garimpar mais nas ruínas de Labornok já que tudo fora confiscado pelos sacerdotes do templo de Meret, extinto dois anos antes - obra de Haramis para salvar Mikayla, mas o povo não precisava saber disto.
               
             – Os pais tem medo que os jovens desapareçam, então estão tirando eles daqui. Isso é mal para as terras, não temos a quem passar nossos costumes, nossa cultura. Eles têm medo e não querem voltar. – explicou uma velha vendedora de ervas, com quem Mikayla trocou mantimentos por folhas para fazer chás.
                – Porque estão com medo de desaparecer?
            – Ah, os baderneiros... Sequestram os jovens bons... – e virando-se para Fiolon completou – Eu se fosse você rapazinho, tomaria cuidado e sairia logo da floresta.
               
             Era a quinta aldeia pela qual passavam que fazia referência ao êxodo dos jovens. Fiolon se perguntava se era este o problema que a terra alertava á Mikayla: a diminuição da população oddling. E como não podia desconsiderar nada em sua pesquisa, pensava em quais seriam as consequências para terra caso os aborígenes desaparecessem. Sua concentração no entanto era perturbada pela pressão no ar: o calor na floresta estava insuportável, com o sol estivesse oculto por detrás de camadas e camadas de nuvens
            – Acho melhor você deixar a chuva cair! – disse para Mikayla. Como agora seguiam sozinhos não necessitavam da linguagem mental.
           – Eu sei... – ela parecia exasperada – Eu só queria encontrar um abrigo seguro para nós antes.
                – Você sabe que isto é errado não é? Usar magia sem propósito e curvar a natureza ao nosso favor...
                Mikayla permaneceu calada. Não demorou muito e gotas de chuva começaram a molhar timidamente suas vestes, para logo em seguida deixarem a timidez de lado e se transformarem numa enxurrada. Quando o frio atingiu seus ossos, Fiolon se arrependeu de ter chamado a atenção da jovem esposa, que seguia ereta em seu fronial alguns passos à sua frente, impassível a chuva. Ele se lembrou de que ela era capaz de controlar a temperatura do próprio corpo e criticou-se intimamente de ainda não ter aprendido isso. Rindo de sua própria incapacidade, aproximou-se para fazer piada sobre o fato, mas percebeu pelo gesto involuntário de quem seca os olhos num rosto oculto por um capuz, que algo estava errado: Mikayla chorava. Firme em seu fronial, ela evitava desmoronar emocionalmente em diante de seu marido e ele sabia que era por puro orgulho: ela queria provar para ele que ela era capaz de lidar com Labornok. Ele nunca duvidara de sua capacidade e indeciso entre ampará-la ou deixá-la só com suas dores, a segunda opção lhe pareceu mais favorável: Mikayla nunca evoluiria se ele estivesse por perto toda vez que ela se sentisse inapta.
Chegaram à estrada que os conduziria até Derorguila sem que a chuva diminuísse; parecia furiosa por ter sido mantida na atmosfera contra a vontade. Seria um longo caminho até a antiga capital, e não faziam ideia da aldeia mais próxima, mas estradas eram melhores e mais seguras que trilhas errantes em uma floresta desconhecida. Suas esperanças em encontrar um local seguro para pernoitar diminuíam na medida em que a noite avançava, ainda que acreditassem que as chances na estrada fossem melhores. Há dias dormiam sob a copa das árvores ou em algum abrigo de animais, e como a vida acastelada tirou deles a capacidade de adequarem-se à situações desconfortáveis, ansiavam por um lugar quente e  alguma comida fresca: as provisões secas que levavam dariam para poucos dias. Por ora caçar não era opção.
                – Calculei mal as distâncias, me desculpe... – disse Mikayla, por fim.
                Antes que Fiolon respondesse, uma luz tênue vinda do meio da floresta chamou-lhes a atenção aumentando conforme se movimentavam pela estrada e outras se seguiram à ela. Quando completaram a curva da estrada, uma porteira revelou um sítio esquecido por aquelas bandas. Seus corações palpitaram de alívio, e com a chuva ainda sob seus corpos, atravessaram a porteira e seguiram até as luzes.
Era uma casinha pequena, tendo ao lado de uma estrebaria e uma casa de moendas. Da posição em que estavam as construções compunham um bonito quadro tendo as Monhtanhas Ohogan ao fundo, bem distantes. Mikayla observou algo que parecia uma ponte e um moinho à alguns quilômetros de distância, no que parecia ser uma colina: se algo perigoso acontecesse poderiam correr para lá.
                – Quem está aí? – bradou uma voz masculina, vinda do interior do casebre.
                – Somos viajantes, senhor. Poderia nos fornecer abrigo contra a chuva?
                A voz demorou a responder. Quando Fiolon estava prestes a repetir o pedido, ela retrucou:
                – Vocês podem ficar lá atrás, na estrebaria!
“Isso não é forma de se acolher quem pede abrigo!”, pensou Mikayla, mas de todo o jeito era melhor do que permanecer na chuva. E nem era um local tão ruim assim, já que parecia não receber animais há muito tempo. A palha estava seca e o casal ajeitou um canto para os animais e depois outro para eles. Trocaram as roupas encharcadas por outras mais secas e aninharam-se para descansar. Temiam acender alguma fogueira e acidentalmente tacarem fogo no lugar.
– É possível que ele tenha ficado com medo de nós? – indagou Mikayla, ainda incomodada com a recepção de seu anfitrião.
– Não sei, talvez sim. Não sabemos o que se passa por este lugar.
O cansaço abateu sobre eles e adormeceram rapidamente, sem sequer se preocuparem em montar vigia. Seus corpos cederam àquele conforto mínimo, crentes que não poderia haver perigo quando uma hospedagem lhes foi concedida: simplesmente relaxaram.
Não poderiam estar mais errados



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