Capítulo X - Abrigo
Os arquimagos seguiram as
orientações dos vispis e se mantiveram rumo ao norte, onde poderiam encontrar
uma boa quantidade de vilas oddlings ao longo do caminho e se manterem
abastecidos. Labornok não era tomada de pântanos como Ruwenda, suas florestas possuíam
solo firme mesmo ao sopé das montanhas de neve; porém a era uma mata densa,
bastante fechada, como se nunca tivesse sido explorada. Era fácil se perder nas
trilhas já que elas praticamente não existiam e a copa das árvores não permitia
uma orientação fácil pelo céu; Mikayla utilizava-se do amuleto de trílio
herdado da antiga arquimaga como guia, uma peça em âmbar, contendo um trílio
negro, símbolo de Ruwenda, cristalizado. As tribos
pelas quais passaram estavam terrivelmente decadentes; parecia que o estrago
feito pela guerra entre os dois reinos duzentos anos atrás insistia em deixar
suas marcas. Conversando aqui e ali, os arquimagos entenderam que muitos jovens
nyssumos partiam para as cidades litorâneas em busca de trabalho; não havia o
que garimpar mais nas ruínas de Labornok já que tudo fora confiscado pelos
sacerdotes do templo de Meret, extinto dois anos antes - obra de Haramis para
salvar Mikayla, mas o povo não precisava saber disto.
– Os pais tem medo que os jovens desapareçam, então estão tirando eles daqui. Isso é mal para as terras, não temos a quem passar nossos costumes, nossa cultura. Eles têm medo e não querem voltar. – explicou uma velha vendedora de ervas, com quem Mikayla trocou mantimentos por folhas para fazer chás.
–
Porque estão com medo de desaparecer?
–
Ah, os baderneiros... Sequestram os jovens bons... – e virando-se para Fiolon
completou – Eu se fosse você rapazinho, tomaria cuidado e sairia logo da
floresta.
Era a quinta aldeia pela qual passavam que fazia referência ao êxodo dos jovens. Fiolon se perguntava se era este o problema que a terra alertava á Mikayla: a diminuição da população oddling. E como não podia desconsiderar nada em sua pesquisa, pensava em quais seriam as consequências para terra caso os aborígenes desaparecessem. Sua concentração no entanto era perturbada pela pressão no ar: o calor na floresta estava insuportável, com o sol estivesse oculto por detrás de camadas e camadas de nuvens
–
Acho melhor você deixar a chuva cair! – disse para Mikayla. Como agora seguiam
sozinhos não necessitavam da linguagem mental.
–
Eu sei... – ela parecia exasperada – Eu só queria encontrar um abrigo seguro para
nós antes.
–
Você sabe que isto é errado não é? Usar magia sem propósito e curvar a natureza
ao nosso favor...
Mikayla
permaneceu calada. Não demorou muito e gotas de chuva começaram a molhar
timidamente suas vestes, para logo em seguida deixarem a timidez de lado e se
transformarem numa enxurrada. Quando o frio atingiu seus ossos, Fiolon se
arrependeu de ter chamado a atenção da jovem esposa, que seguia ereta em seu
fronial alguns passos à sua frente, impassível a chuva. Ele se lembrou de que
ela era capaz de controlar a temperatura do próprio corpo e criticou-se
intimamente de ainda não ter aprendido isso. Rindo de sua própria incapacidade,
aproximou-se para fazer piada sobre o fato, mas percebeu pelo gesto
involuntário de quem seca os olhos num rosto oculto por um capuz, que algo
estava errado: Mikayla chorava. Firme em seu fronial, ela evitava desmoronar
emocionalmente em diante de seu marido e ele sabia que era por puro orgulho:
ela queria provar para ele que ela era capaz de lidar com Labornok. Ele nunca
duvidara de sua capacidade e indeciso entre ampará-la ou deixá-la só com suas
dores, a segunda opção lhe pareceu mais favorável: Mikayla nunca evoluiria se
ele estivesse por perto toda vez que ela se sentisse inapta.
Chegaram à
estrada que os conduziria até Derorguila sem que a chuva diminuísse; parecia
furiosa por ter sido mantida na atmosfera contra a vontade. Seria um longo
caminho até a antiga capital, e não faziam ideia da aldeia mais próxima, mas
estradas eram melhores e mais seguras que trilhas errantes em uma floresta
desconhecida. Suas esperanças em encontrar um local seguro para pernoitar
diminuíam na medida em que a noite avançava, ainda que acreditassem que as
chances na estrada fossem melhores. Há dias dormiam sob a copa das árvores ou em
algum abrigo de animais, e como a vida acastelada tirou deles a capacidade de adequarem-se
à situações desconfortáveis, ansiavam por um lugar quente e alguma comida fresca: as provisões secas que
levavam dariam para poucos dias. Por ora caçar não era opção.
–
Calculei mal as distâncias, me desculpe... – disse Mikayla, por fim.
Antes
que Fiolon respondesse, uma luz tênue vinda do meio da floresta chamou-lhes a
atenção aumentando conforme se movimentavam pela estrada e outras se seguiram à
ela. Quando completaram a curva da estrada, uma porteira revelou um sítio
esquecido por aquelas bandas. Seus corações palpitaram de alívio, e com a chuva
ainda sob seus corpos, atravessaram a porteira e seguiram até as luzes.
Era uma casinha pequena, tendo ao
lado de uma estrebaria e uma casa de moendas. Da posição em que estavam as
construções compunham um bonito quadro tendo as Monhtanhas Ohogan ao fundo, bem
distantes. Mikayla observou algo que parecia uma ponte e um moinho à alguns
quilômetros de distância, no que parecia ser uma colina: se algo perigoso
acontecesse poderiam correr para lá.
–
Quem está aí? – bradou uma voz masculina, vinda do interior do casebre.
–
Somos viajantes, senhor. Poderia nos fornecer abrigo contra a chuva?
A
voz demorou a responder. Quando Fiolon estava prestes a repetir o pedido, ela
retrucou:
–
Vocês podem ficar lá atrás, na estrebaria!
“Isso não é forma de se
acolher quem pede abrigo!”, pensou Mikayla, mas de todo o jeito era melhor do
que permanecer na chuva. E nem era um local tão ruim assim, já que parecia não
receber animais há muito tempo. A palha estava seca e o casal ajeitou um canto
para os animais e depois outro para eles. Trocaram as roupas encharcadas por
outras mais secas e aninharam-se para descansar. Temiam acender alguma fogueira
e acidentalmente tacarem fogo no lugar.
– É possível que ele tenha
ficado com medo de nós? – indagou Mikayla, ainda incomodada com a recepção de
seu anfitrião.
– Não sei, talvez sim. Não
sabemos o que se passa por este lugar.
O cansaço abateu sobre eles e
adormeceram rapidamente, sem sequer se preocuparem em montar vigia. Seus corpos
cederam àquele conforto mínimo, crentes que não poderia haver perigo quando uma
hospedagem lhes foi concedida: simplesmente relaxaram.
Não poderiam estar mais errados
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