Fanfic baseada na obra "a Senhora do Trílio" de Marion Zimmer Bradley
Capítulo VII - Castidade
O
crepúsculo avançava a oeste de Laboruwenda, revelando os traços finos da chuva
de meteoros provocada pela passagem do cometa. Fiolon gostava daquela visão,
ainda que tecnicamente não estivesse olhando para ela. Sua mente estava em Var,
vasculhando cada milímetro do território do qual era responsável. As tribos
estavam em paz, assim como o manejo florestal seguia conforme suas ordens. As
cheias do Grande Mutar começariam em breve; suas nascentes eram oriundas das
Montanhas Ohogan, do lado ruwendiano, cujo degelo já dera início, e segundo suas
orientações algumas tribos ribeirinhas já estavam se preparando para o período
alagadiço. O cio dos animais primaveris estava entrando em ápice, o que o
perturbava um pouco; ainda que não estivesse plenamente amadurecido, seu corpo conhecia o furor que as tensões sexuais
provocavam. Sua ligação com a terra já fora mais forte, deixando-o
desconfortável nos primeiros anos como arquimago: aprender a desligar-se foi
fundamental.
Quando
terminou sua vistoria mental o céu já era de um matiz arroxeado. Os traços
do cometa no céu já eram escassos, vinte dias haviam se passado e ainda que as
previsões astronômicas indicassem que o fenômeno duraria um ciclo trilunar,
aquela era a última noite que o arquimago poderia vê-lo das sacadas do palácio
da Cidadela: na manhã seguinte partiriam para seu ducado em Let. Haveria
algumas mudanças em sua rotina, agora que Mikayla poderia ir e vir com ele,
livre da supervisão da falecida arquimaga. Ele não precisaria ficar sonhando
alto, desejando algo que estava distante e que parecia quase impossível de se
ter. Agora, nas pausas de suas vistorias, poderiam voltar-se ao que sempre
fizeram bem: pesquisar e explorar.
–Sonhando acordado, meu marido? – Mikayla aproximou-se. O cheiro de alfazema que exalava do banho recém-tomado inebriou-o. Estendeu os braços para que ela se aproximasse.
– Iremos
para Var amanhã, mais uma etapa em nossa nova vida. Como está se sentindo?
–
Agradecendo aos senhores do ar por sair daqui! – bufou ela – Não aguento mais a
minha família! A vida deles é tão... fútil! As damas só costuram e cantam e
leem – o que não é ruim, mas... é só isto! Não há aventura. A maior emoção
delas é fofocar sobre a vida de alguém! Gostaria de ter ido embora antes...
Fiolon suspirou, mantendo a placidez que lhe era tão característica:
– Mika, já
parou para pensar que não fazemos a mínima ideia de quando retornaremos aqui
nas condições de Princesa e Duque? Não sabemos quando poderemos abraçar os nossos familiares outra vez; essa pode ser nossa última oportunidade.
– Vivemos
os últimos anos afastados deles e sequer procuraram por nós! – resmungou ela.
– Sim eu
sei, mas segundo eles estávamos em segurança! Essas pessoas podem ter sido negligentes
conosco, mas nunca nos faltaram abrigo e alimento neste lar. E a vida deles, de
tudo que está aqui neste momento, irá perecer muito antes da nossa. O que você
prefere: dar o mínimo de atenção agora ou lamentar não ter aproveitado esta
oportunidade daqui a uma centena de anos?
Mikayla
sentiu-se culpada por suas críticas e por seu egoísmo: agora sentia-se
terrível! Fiolon a puxou contra si e beijou-lhe a testa, rindo da confusão que
se instalou na mente da Arquimaga. Ela sempre fora cabeça dura, não media
palavras muito menos as consequências dos seus atos. Cabia à ele as ponderações
necessárias para fazê-la enxergar por outros ângulos. E nesta discussão acabou esquecendo-se
de perguntar sobre a estranha sensação que
sentira durante a sua vistoria.
– Você meu
querido, sempre tão sensato! Perde-se a vontade de trocar qualquer veneno com
você!
– Nunca foi
meu forte, você sempre soube! Aliás, nossa castidade ainda é assunto da corte?
– Nada! Seu
plano foi perfeito!
Fiolon sorriu, lembrando o acontecido: na manhã seguinte a noite de núpcias o casal de
adultos presos em corpos de criança foi despertado por batidas um pouco mais
austeras na porta. Perceberam que estava bem tarde, mas o cansaço da festa
ainda permanecia em seus corpos e eles desejavam continuar na cama; as
batidas insistentes, no entanto, não deixavam.
– Não abra a porta agora! – murmurou Fiolon, assim
que viu Mikayla intentando em fazê-lo, procurando em algumas gavetas até
encontrar um objeto pontiagudo o suficiente com o qual pudesse cortar a palma
da mão.
– O que está fazendo?? –Mikayla perguntou, assustada.
O servo ou seja lá quem fosse, havia desistido.
– Estou
complementando nossa farsa. Assim que sairmos deste quarto virão bisbilhotar a
nossa cama.
Mikayla
ficou horrorizada:
– Acha que
ousariam entrar sem estarmos aqui?
– Já
entraram conosco aqui: ou você acha
que a bandeja de café da manhã veio por mágica? – e vendo que Mikayla
permanecia escandalizada, tentou tranquilizá-la – Você passou muito tempo presa
na torre, meu amor, esqueceu como os servos são treinados para serem
silenciosos e invisíveis pelos palácios. Exceto claro, este que com certeza foi
enviado para nos acordar...
– Ou saber
se estamos vivos!
Ambos
riram, mas Fiolon permaneceu concentrado no que fazia. Ao pressionar a mão
cortada na cama, Mikayla finalmente entendeu suas intenções. Corou.
– Eu não
quero mais ninguém questionando nossa virgindade – ele disse percebendo seu
constrangimento.
– Espero
que isto não o machuque... – murmurou ela, ainda sem saber direito o que dizer.
Referia-se ao ato de Fiolon ter-se cortado, mas ele entendeu de outra forma:
– A mim? Só agora, ao me cortar... – ele tomou-lhe a
frente da camisola e também a sujou, murmurando um encantamento de cicatrização
para o ferimento logo em seguida. Admirava a perfeição de seu trabalho quando
notou que Mikayla ainda estava acanhada – Ei, não se preocupe: farei o máximo
para não provocar nenhum incômodo quando realmente acontecer está bem? Serei
tão inexperiente quanto você, e poderemos rir de nossas trapalhadas depois: só
isto será o suficiente para ser memorável! – E percebendo que ela sorria,
beijou-lhe a face como quem rouba a demonstração deste afeto. – Agora vista um
roupão e deixe as servas verem isto ao te trocarem.
– Quando você ficou tão prático?
O plano deu certo como o mago previra: antes do
cair da tarde todos no castelo sabiam como fora encontrado o leito nupcial – a
história incluía seus devidos acréscimos dependendo de quem a contava. Os reis,
especialmente a Rainha de Laboruwenda, ficaram satisfeitos quando a fofoca
chegou até os seus ouvidos: aquilo selava a palavra dada pelo casal de que não
cometeram imoralidades enquanto estavam sobre a tutela da Arquimaga. Não que
isto, de fato, fizesse diferença em uma corte, mas era necessário que tais atos
permanecessem sempre por trás das paredes ou debaixo dos lençóis onde ocorriam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário