quinta-feira, 28 de abril de 2016

A Namorada Dela

Parte II - Futebol é coisa de...?



       Não me tornei a melhor amiga de Memê naquele episódio da boneca; sendo bem sincera acho que nunca o fui. Aconteceu que passei a observá-la mais, sempre pensando nas poucas coisas que me disse. Por causa disto, ir brincar com Gina e seu séquito foi perdendo a graça, ainda mais que insistiam em brincar de “Barbie” só para poderem dividir a minha boneca entre elas. Até o dia que eu não quis brincar: pedi que avisassem quando tivessem outra coisa para fazer. A Gina, de raiva, mudou a brincadeira, mas proibiu as meninas de me chamarem. Fiquei em casa vendo televisão muitas tardes depois. Só percebi que havia sido excluída do grupo quando, numa tarde em que faltou luz somente na minha casa, pulava corda no play com algumas das garotas quando a Gina chegou do balé. Ela ficou ali parada, olhando aborrecida para nossa direção. Aos poucos, as meninas foram saindo da brincadeira e para cumprimentá-la.
– Vamos lá para casa, minha mãe vai fazer refresco para o lanche! – chamou ela. As meninas a seguiram e quando fui acompanhá-las fui barrada.
– Você não! – ela me disse, zangada. E sorrindo para as outras como se nada tivesse acontecido, seguiram para seu apartamento, deixando-me sozinha no play.
Ah, eu chorei pra caramba! E só não chorei mais porque achei um absurdo que me vissem chorando – ainda tinha meu orgulho! Não havia nada para fazer em casa então fiquei ali com a corda nas mãos, tentando pular pateticamente, a fim de que o esforço me distraísse do choro. Foi quando Memê atravessou o play, com aquele jeito de menino-jogador-de-futebol. Estava tão furiosa que xingou um palavrão cabeludíssimo (esqueci de mencionar que ela era muito, muito desbocada!) e jogou a bola que estava em suas mãos na minha direção, assustando-me.
– Oh meu Deus acertei você? Por favor, me desculpe... – desesperou-se ela, indo para perto de mim – Não chora... Onde machucou?
– Não me acertou, eu defendi... Estou triste por outra coisa...
Ela olhou para os lados e percebeu o pátio vazio.
– As meninas te deixaram de lado de novo, não é?
Fiz que sim com a cabeça.
– Aff... – bufou ela, mas percebendo que eu estava realmente magoada não disse nada; apenas ficou ali do meu lado, entre penalizada e irritada. Parecia que algo brigava dentro dela, pois abriu e fechou a boca umas três vezes, sem que nada saísse. Ate que levantou-se, foi até a bola e gritou:
– Então, me mostra esse lance de novo? – e deu o um chutão na bola, em minha direção.
– ‘Tá maluca?? – gritei com ela, depois de golpear a bola de qualquer jeito.
– Caracas... tu é boa nisto! Faz outra vez?
– Fazer o que?
Aí ela explicou: estava furiosa porque seu treinador dissera que ela era ruim nos pênaltis e que precisava treinar mais.
– Você pode defender para mim?
– Você vai chutar igual fez agora?
Ela riu do meu desespero
– Não... Talvez um pouco mais fraco.

Ela começou a chutar e eu a defender. De início os chutes eram leves, depois ela começou a colocar impulso neles. Deixei um ou dois passarem.
– Você é realmente boa! Já pensou em jogar no time da escola?
– Claro que não! Futebol é coisa de menino... – falei, até que dei de cara com ela e suas sobrancelhas arqueadas – quer dizer... Não, nunca pensei.
– Pois deveria! Praticar esportes faz bem para o corpo, além de ocupar a mente. Melhor do que ficar choramingando por amigos que não se tem!
Ui! Eu poderia ter dormido sem esta, eu sei. Entretanto serviu para que eu aprendesse a dar valor a mim mesma, a quem realmente se importa comigo.
Depois disso perdi o interesse em ficar no play, brincava em casa sozinha, criando meu próprio mundo de sonhos, ao mesmo tempo em que reforçava meus laços de amizade na escola. Passaram-se alguns dias até que tornasse a falar com Memê, uma vez que as nossas ocupações dia a dia, tão distintas, impedia de nos cruzarmos. Ela estava focadíssima no futebol, sempre disputando um torneio aqui e outro acolá; quando não, jogava com os meninos da vizinhança. Eu havia descoberto o mundo da leitura e ficava horas e horas em casa afundada em um livro: enquanto as garotas ansiavam por novas bonecas ou sandálias com glitter e outros frufrus, eu queria a coleção do Sítio do Pica-pau Amarelo. Bem, a coleção era tão cara quanto a Barbie; ganhei outra boneca "Chuquinha", mas já havia aprendido que o que eu tinha era o melhor que eu poderia ter.
Até que um dia, nas férias, quando desta vez faltara luz no condomínio todo, fui para o pátio ler – estava quente demais em casa. Algumas mulheres que não podiam ver suas novelas e seus programas de fofoca faziam novelo com a vida dos outros, criando seu próprio programa. As meninas estavam lá, com seus belos presentes de Natal, e eu, com um livro “sequestrado” da biblioteca da escola – ele seria devolvido sem precisar de resgate quando as aulas retornassem! Os meninos jogavam bola como sempre.
 E Memê no meio deles.
– Brisa?! – chamou ela – Tá fazendo o quê?
Apontei para o livro.
– Vem jogar com a gente, está faltando um no meu time!
– “'Tá maluca Memê?” – ouvi um garoto sussurrar, mas ela respondeu-lhe com um “cala a boca” e o garoto engoliu suas opiniões. Isso era outro fato interessante da Memê: ela tinha a liderança nata em seu olhar, não precisava de chantagens como a Gina. Ela falava e os outros obedeciam.
Deixei meu livro no canto e fui jogar. Vi os risinhos de satisfação do time adversário e o olhar de preocupação da minha equipe. Ia ser um massacre, e eu, o “boi de piranha” da história.
– Você vai ficar no gol. É só fazer o que fez naquele dia comigo, eles não chutam tão forte quanto eu.
Não foi fácil. O time adversário abriu com diferença de 3 gols. Eu tinha medo deles, o seu olhar me deixava desconfortável. Enquanto meu time me xingava, Memê só olhava para mim, inexpressiva. Depois do quarto gol da outra equipe, ela foi até as balizas conversar comigo.
– Brisa, o time somos só eu e você. Os garotos não são muito bons, e eu não posso estar no ataque e na defesa ao mesmo tempo. É só um jogo, uma brincadeira, mas eu preciso treinar para o time da escola. Segura a defesa para mim, por favor!
Eu respirei fundo...
... E dei o máximo que eu podia!
 
Nosso time perdeu não porque o adversário fez mais gols depois mas sim porque o goleiro deles era muito bom. Depois que ela falou comigo, passei a imaginar um monte de "Memês" no campo e ficou mais fácil segurar as bolas que vinham. Arrisquei até um chute a gol da minha base, mas o goleiro defendeu. Ainda assim todos olharam na minha direção, com pontos de interrogação na testa. Apenas Memê sorria.
– Olhem para a bola pô! – ousei gritar para o time, louca para deixar de ser o foco de suas atenções. Nosso time fez gols, todos de Memê, mas não deu para virar o placar.
– Sorte de principiante! – disse aquele garoto que questionou minha entrada no time. Seus lances eram bons, mas não foram suficientes para balançar a rede!

Na escola, aquele mesmo grupinho que jogava no condomínio se reuniu num daqueles dias em que os professores resolvem cuidar de suas vidas em vez de vir dar aula. O professor de Educação Física se viu às voltas com três turmas diferentes: resolveu deixar fazer o que quisessem! Os garotos mais velhos tomaram posse da bola e do campo para uma partida de futebol (e fiquei com pena dos meninos da minha turma, que imploravam atenção durante a escalação dos times). Para as meninas não ficarem ociosas, o professor separou uma área da quadra para um jogo de queimada. Todos sabem como é queimada na escola, logo eu e minhas colegas de classe nem cogitamos participar!
 Foi quando ouvi chamarem meu nome.
 - Brisa?! Você está no meu time. Vai para o gol.
Era o garoto do condomínio, o “Sorte de principiante”.
Sabe aquele momento em que tudo silencia e todos parecem se mover em câmera lenta? Pois, é... Até as meninas que selecionavam o time de queimada pararam. O pessoal da minha turma era a mais jovem naquele campo, ninguém fora chamado para nada e eu estava lá, a caminho do gol. Uma explosão de gargalhadas veio do time adversário, quando um grito fora da quadra a silenciou.
– Vai lá Brisa! Arrasa eles!

Era a Memê.

Ela estava ao lado de uma garota mais velha, do ensino médio e era a primeira vez que eu a via no meio de outras meninas. Eu deveria ter reparado que aquela não era uma garota qualquer para a Memê, mas estava tão absorta em minha situação que aquele primeiro indício passou despercebido. Eu caminhava para o gol como quem ia para a forca. Não conhecia aqueles caras, não sabia como jogavam. Resultado: deixei passar um bocado de gols. Mais uma vez o time adversário zombava de mim e meu time queria me comer viva. Chamei o garoto que me convocou, pois eu queria sair do jogo.
– Olha, eu sei que você joga bem, mas se não joga, tenta fazer o mesmo milagrezinho daquela tarde, está bem?
E eu fiquei lá, diante de um pênalti.
– Segura essa p#&%@ Brisa! – gritou Memê lá de fora.

O adversário chutou.
E eu defendi.

Ela gritou tanto que chamou de novo a atenção do povo para o jogo, que já havia perdido o interesse. Preciso explicar que a quadra de nossa escola fica próxima ao pátio de intervalo, ou seja, a turma que estiver livre pode assistir o que está acontecendo lá – facilitando a atualização dos vexames da semana e permitindo que as meninas mais velhas possam admirar seus paqueras! Outros alunos pararam para ver o jogo, a multidão crescia ao redor da quadra, mas eu parei de me importar. Eu podia fazer aquilo, talvez não tão bem quanto esperassem, mas o melhor que dava para fazer. Cumpri meu papel: defendi todas as jogadas seguintes. Minhas defesas eram por vezes patéticas, mas a galerinha da minha classe começou a torcer por mim – afinal, era a única da turma em campo, e ainda que isto fosse humilhante para os meninos, nossa classe tinha um princípio de cooperação que não se encontra hoje em dia. A algazarra foi chamando a atenção e me motivando.
– Este é o seu truque né “principiante”? Deixá-los pensar que podem ganhar e depois dar-lhes uma surra!  – comentou o menino, sorrindo.
– Brisa. Meu nome é Brisa! – respondi, mas de forma divertida. Estava tão feliz com aquele comentário que chutei a bola forte demais: ela atravessou a quadra e parou na rede.

Gol.
Meu.

Só houve um grito, vindo de fora da quadra!
 - Arrasou Brisaaaaaaaaa!

Aí a galera explodiu em palmas e vivas enquanto o time adversário e meu próprio time olhavam para mim como se eu fosse um ser sobrenatural. O professor apitou o fim da partida, e o pessoal da minha turma veio me cumprimentar. Em meio a tantos apertos de mão, tapinhas nas costas e mexidas no cabelo, lancei um olhar além da quadra à procura da Memê. Ela já estava de costas, à caminho de um lugar qualquer com os braços jogados sobre os ombros daquela garota estranha, enquanto esta enlaçava sua cintura preguiçosamente. Pareceu que Memê acariciou-lhe o cabelo e ela inclinou a cabeça em sua direção: Memê virou-se, beijou-lhe o ombro e repousou ali. Mas fui tomada pela turma curiosa e não consigo ter certeza se realmente vi isto ou se o que aconteceu com elas depois me fez criar esta memória.
– Brisa, você é do sexto ano A certo? – perguntou-me o professor. Fiz que sim com a cabeça – ‘Tá bem... treino amanhã depois da aula. Vamos fazer uma avaliação.
Eu estava sendo convocada para fazer parte do time da escola.
No dia seguinte fiz a avaliação.

Resultado?

Entrei para o time.


           Futebol também é coisa de menina!

sexta-feira, 15 de abril de 2016

A Namorada Dela

Parte I - A Boneca


            Estou com saudades da minha amiga Memê. Se eu soubesse por onde ela anda, eu enviaria uma carta, um e-mail...Mas Memê nunca me diz onde está, apenas recebo seus postais algumas vezes por ano, sem que eu possa respondê-la. É melhor do que nada, eu sei. Ainda assim, gostaria de escrever para ela.
     
         Conheci Memê quando sua família mudou-se para o nosso condomínio – na verdade, um daqueles conjuntos habitacionais precários que o governo concede aos moradores quando a imprensa pressiona sobre algum desastre na favela! Eu tinha oito anos, ela dez. Além de mais velha, mais alta, mas não se podia dizer que era bonita: magricela, tinha um cabelo comprido, de um tom loiro sujo, uns olhos grandes esverdeados e a pele curtida de sol. Memê poderia ser modelo se quisesse, não pela beleza, como eu disse, mas pelo seu porte: havia nela uma segurança, um domínio de presença que calava qualquer desavença, qualquer assunto que estivesse sendo discutido quando ela passava. Era uma menina, mas parecia ter toda a vivência de uma pessoa antiga. Pouco se importava com a própria aparência, vestia-se largada como um menino, e assim ninguém reparava muito nela no quesito "beleza exterior". Se bem que quando chegou, as meninas do condomínio ficaram um pouco inseguras, e fizeram o que todos fazem quando se sentem ameaçados: atacaram. Como ela não ligou para seus comentários, as meninas a deixaram em paz.
  
         Só fui conversar com a Memê quase um ano depois de sua chegada – antes eram apenas aqueles comprimentos educados, ou nem isso. Naquele dia, Gina, "a Dona do Play", resolveu que só iriam brincar aquelas que tivessem "Barbie". Eu não tinha a tal boneca, até as falsas eram caras demais. Estava no corredor do meu andar, olhando elas brincarem no play quando Memê chegou: meião até os joelhos, chuteiras no lugar das sandalinhas cor de rosa que toda menina usava, bermudão, top, a blusa do uniforme amarrada na mochila e um walkman com fones de arco de metal nos ouvidos. Trocamos olhares enquanto ela destrancava a porta. Entrou, saindo meia hora depois, com cheiro de sabonete e colônia. Fato que já tinha um compromisso, mas mudou de ideia e veio debruçar-se no peitoril do corredor comigo.
            
          – O que está acontecendo lá embaixo? – quis saber. Sua voz era determinada, e me fez sentir menor do que eu estava me sentindo.
– Uma festa da Barbie.
– E você não foi convidada?
– Não. Só pode ir quem tem Barbie e eu não tenho.
Silêncio
– Você gostaria de ir?
– Claro! Todas as minhas amigas estão lá!
Memê olhou diretamente para mim, séria. Naquele instante parecia muito adulta, não pela severidade do olhar, mas pela sinceridade que expressava:
– Se as pessoas que você diz serem suas amigas fossem suas amigas de verdade, iriam gostar de você pelo que você é e não pelo que você tem. Muito menos dariam uma festa e proibiriam você de entrar.
Naquela hora pensei: “quem é esta garota metida a besta para falar assim das minhas amigas?”. Mas Memê me olhava tão seriamente que engoli a frase, e tornei a mirar o playground, aborrecida. Um tempo depois senti um tapinha nas minhas costas:

– Vem, acho que posso te arrumar um “convite”.

Eu não entendi muito bem o que ela quis dizer, mas após insistir que eu fosse a sua casa, concordei em seguí-la. Memê morava com a avó, D. Dora, senhora simpática que costumava distribuir doces no dia de São Cosme e São Damião. “E não se esqueçam de Dom Um”, dizia ela, macumbeira que só, o que deixava as crentes do condomínio enfurecidas! Apesar de todo discurso de que macumba era coisa do demônio, eu sempre achava que D. Dora merecia o Céu mais que algumas pessoas devotas de igrejas: ela sempre tinha um jeito doce para conversar conosco, e quando proibia algo, explicava o porquê tão bem explicadinho que a gente até se arrependia de ter pensado em fazer a tal coisa errada; as outras, por sua vez, nos chamavam de capetas pra baixo!
O apartamento de Memê e D. Dora era como qualquer outro naquela época: alguns santos espalhados na sala cor-de-rosa, cortinas de continhas, colchas de retalhos cobrindo os sofás e cheiro de coisa velha. Cumprimentei D. Dora, meio acanhada, enquanto Memê enfiou-se cortina adentro. A velha senhora assistia à novela da tarde bebendo um daqueles sucos de xarope e me ofereceu um pouco – lembro que estava delicioso, e aliviou um pouco a tensão da situação inusitada. Memê logo voltou com uma boneca... na embalagem!

– Para você!
– M-mas está novinha! Você não quer?
– Meu pai sempre me dá uma dessas, só que eu não brinco mais com bonecas. Pode levar.

Eu fiquei tão maravilhada que quando me lembrei de agradecer, Memê já havia ido embora. Desci correndo para brincar com as meninas e a Gina já ia me proibir de participar da festa, quando mostrei a boneca. As meninas ficaram fascinadas: a boneca era rara, de uma edição limitadíssima. A Gina ficou logo enciumada, e enquanto passava a festa tentando minimizar as qualidades da “minha” boneca, eu pensei sobre o que a Memê havia dito sobre amizade: ela, que nunca havia trocado uma palavra comigo, me deu um presente raro; aquelas que sempre conviveram comigo, me excluíram da brincadeira quando o que eu tinha não era suficiente para ficar por perto.
A festinha ainda acontecia quando peguei a boneca e fui para casa sem falar com ninguém, mas antes passei na casa de Memê para devolver o presente. D. Dora, cheia de bobes na cabeça e um sorriso largo no rosto, foi chama-la. Memê esfregava os cabelos recém-lavados numa toalha quando entrou na sala.

– Toma: acho que você não sabia que ela era uma boneca rara, então trouxe de volta.
– Sim, eu sei disso, por isso dei para você!
Aquilo me surpreendeu
– Ela é sua, pegue.
Eu me agarrei à boneca, pois queria muito ficar com ela. Memê abriu um sorriso e eu lhe agradeci, mas insisti em devolver.
– Sabe, você tinha razão – falei – elas gostaram mais de mim hoje só porque eu tinha uma boneca rara. Elas não são amigas de verdade!

Na manhã seguinte havia um embrulho em minha porta, com o seguinte bilhete: “A Barbie falou que você é a melhor amiga que ela gostaria de ter. Não aceito devolução”


A boneca era minha, oficialmente!

                                                           *  *  *

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Alecrim


Beirava a madrugada, quando o vento trouxe o seu cheiro para mim.
Uma pequena conexão
Que ativou todos os meus sentidos
E despertou uma saudade sem fim.
Não era você: deveriam ser os seus,
Que circulam ao meu redor, 
Protegidos pela escuridão da noite,
Fazendo do mundo um imenso jardim.

Ainda assim - ainda assim! 
Eu imaginei a brisa atravessando vales, 
Uma extensa baía 
E chegando até a mim.
Apenas para me trazer um recado:
“Estou bem, nada mais é ruim!”.

Isso é a vida: aprendizados constantes, 
Perdas e ganhos, 
Dores e alegrias.
E no final, o mais importante
São as lembranças boas,
Vindas da brisa suave

Com cheirinho de Alecrim.








* para Isabella Libardi e Alecrim :)


segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Não "tinha" problema...

Já diziam os versos da canção "A lista" de Oswaldo Montenegro:
Faça uma lista de grandes amigos,
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais

Você cresce e é claro que as coisas mudam: seus pensamentos, as pessoas ao seu redor... mas isso não é um problema.
É?
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É estranho como a gente muda nosso pensamento no decorrer do tempo.

Quando criança eu convivia com um grupinho de amigos que, além de termos a mesma idade, éramos vizinhos. Inicialmente éramos eu, Dani, Drica, Bianca e Danubia. Estávamos sempre uma na casa das outras, brincando de casinha e/ou boneca (por que essas são as principais brincadeiras das meninas?). Nossa imaginação era incrível: conseguíamos transformar um espaço de dois metros quadrados em um palácio, voar pelo espaço e um segundo depois ancorarmos no fundo do mar. Não tinha problema; o mundo era só nosso.

Nessa época os meninos não estavam conosco, fazendo parte de nosso grupo mais tarde:  Fred,  Tom, Vitor, Júlio e Biel. Eles também – com exceção do Biel, cuja família mudou-se para nossa rua mais tarde – não saiam uns das casas dos outros e suas brincadeiras eram bola e games (porquê estas são as principais brincadeiras dos meninos?). Não tinha problema, pois não existiam tantas responsabilidades.

Fred é primo da Dani, e começamos a brincar com os meninos depois que ele e a mãe dele fizeram uma visita à minha casa. Eu brincava no quintal com as meninas quando eles chegaram, ele ficou nos observando com aqueles terríveis “olhos de pidão” que só sabemos fazer direito quando somos crianças e pediu a Dani se podia brincar também. Claro que não houve problemas, e a partir dali sempre havia uma porção de crianças na minha casa, correndo de um lado para o outro.

Mesmo incluindo os meninos nas nossas vidas, de vez em quando as meninas se reuniam para fazermos algo só nosso, como projetar nossas aspirações para a vida adulta, por exemplo. Eu, Danubia e Dani queríamos ser veterinárias, montávamos o nosso próprio hospital e “operávamos” formiguinhas acidentadas (que infelizmente não sobreviviam!). Bianca queria ser atriz, Drica, modelo, logo, vira e mexe estávamos brincando de teatro, desfile,  enchendo nossa cara de maquiagem e roubando as roupas de nossas mães! De sua parte, os meninos não ficavam tão de fora destas projeções; cada qual inseria em suas brincadeiras aquilo que queria ser: Tom queria ser piloto de avião e montava uma coleção deles; Júlio, piloto de Fórmula 1, não perdendo uma corrida sequer; Vitor queria ser policial, para prender os bandidos que mataram seu pai durante um assalto; Biel, um famoso jogador de futebol e o Fred ansiava em ser advogado, para impedir que as crianças sofressem durante a separação de seus pais como ele sofreu (nenhum dos dois chegava a um consenso de com quem a criança ficaria, até que o Juiz deu a guarda para a avó materna). As brincadeiras eram relacionadas a esses sonhos e a esses desejos, então, não tinha problema, estávamos pensando em nosso futuro.

Cada um de nós tinha a sua individualidade. Eu sempre fui a mais centrada, assim como Danubia. Dani e a Drica eram as mais agitadas e Bianca a mais...“fresca”! Da parte dos meninos, Fred carregava o papel de líder por natureza (e também por ser o mais velho), Tom e Vitor, os “comediantes” (aqueles caras que sempre aprontam alguma!), Júlio o mais bonitinho e calmo e Biel o mais tímido. Aliás, Biel entrou para nosso grupo quando os limites do meu quintal precisaram ser ultrapassados, pois o espaço era pequeno demais para nossa imaginação, e começamos a brincar na rua. Ele, que não conhecia ninguém, ficava observando de sua varanda, até que um dia faltou um componente para o jogo de queimado e resolvemos chama-lo. Não houve problemas: a partir daquele dia estava formado o “Grupo da Rua 4” .

O tempo foi passando e chegou a época em que ficávamos mais tempo paradas em frente ao espelho, observando nosso corpo mudar. Eu não queria crescer, queria ser eternamente criança e brincar a vida toda...

...mas o resto da turma não.

Dani e Drica estavam loucas para se tornarem adolescentes, sair á noite e namorar. Danúbia não se ligava muito em namoros, mas queria muito ser independente. E Bianca só queria o carro – e os cartões de crédito! – do pai. Os garotos pareciam se importar pouco com isto, apesar de serem os primeiros a soltarem aquelas piadinhas de “fulano gosta de ciclano” (propositadamente dirigidas para Biel e Dani). Tanto em casa quanto na escola o assunto era só namoro, e eu achava tão chato: havíamos prometido não mudar e estávamos mudando. Dani estava se tornando cada vez mais irresponsável na escola, já recebendo 3 advertências e uma suspensão de uma semana, Drica cada vez mais atirada com os garotos e Bianca demorava mais de uma hora na frente do espelho quando a chamávamos para brincar na rua. Eu disse brincar? Não, não brincávamos mais, apenas ficávamos conversando sobre uma porção de coisas – o que não era de todo ruim – e cada vez tendo menos vontade de jogar alguma coisa. Ainda não tinha problema, pois vivíamos cansados demais com os estudos para fazermos qualquer coisa depois da escola.

Chegamos à puberdade para a glória das garotas e para meu desespero. Era o ponto final de minha infância. Início daquele período em que você não sabe o que é: ora é muito velha para fazer tal coisa, ora muito nova. Época em que não se pode falar nada de um menino que já acham que está gostando dele (ok, na maioria das vezes é verdade!), que você tem que medir suas roupas para não passar por assanhada demais (salve o santo machismo nosso, que sempre rondou as pobres almas femininas ...). Ficávamos pouco com os meninos, nos reunindo apenas para sair ou assistir alguns filmes. Eu tentava levar tudo como uma adolescente normal, mas na maioria das vezes colocava uma máscara em meu rosto para esconder o tédio de tudo aquilo. Era incrível como as meninas só sabiam falar de garotos!! Dani e Drica pareciam disputar a quantidade de bocas beijadas: “Temos que aproveitar as coisas boas da vida”, dizia Drica a cada vez que eu pedia que maneirasse. “É, mas tente se valorizar um pouco, para não sofrer depois!”, dizia Danubia, reforçando minha reprimenda. “Amores, beijo não tira a virgindade ok?!Então deixem de ser chatas e nos deixem aproveitar – não temos culpa se os caras preferem a gente!” ironizava a Dani, defendendo a outra amiga. E aí eu entrava para apartar uma possível discussão entre eles, pois a Bianca já nos esquecia nos braços de um novo namorado.

Os garotos se tornaram insuportavelmente chatos: Júlio e Vitor mantiveram as traquinagens, e agora faziam o estilo “perdemos o amigo, mas não a piada”. Não se importavam se nestas brincadeiras magoavam as pessoas – apesar de, devo admitir, eles elevavam meu astral de vez em quando. Fred se tornou mais sério e quieto, parecia obcecado pelos estudos e notas, o que não era ruim, mas era... estranho. Parecia perdido e distante em seus próprios pensamentos e quando estava conosco, era como se não estivesse. Biel era um queridinho, e sua timidez ficara na infância e o Tom... ah... o Tom... Não sei quem foi que lhe disse que fumar lhe dava um ar de independência, maioridade, responsabilidade, blá, blá, blá. E ele dizia que não tinha problema, que ia parar por ali.

Onde nós erramos? Em que momento nosso mundo de fantasia deixou de ser um plano para o futuro e passou a ser “bobagens” como todos gostavam de dizer? Quando fazer coisas erradas passou a ser mais legal do que fazer as coisas certas, e porquê não paramos?

O que aconteceu foi que a minha querida Danubia, na sua mais pura inocência, ficou grávida aos 16 anos de ninguém nada mais nada menos que o queridinho do Biel! Tiveram que casar. Dani ficou furiosa, pois apesar de todos os peguetes que possuía, era apaixonada pelo Biel. Então para não se sentir preterida, passou a sair com vários caras de uma vez e, depois de uma experiência lastimável, foi salva por uma igreja evangélica, arrependendo-se de seu caminho torto. Agora é missionária e leva paz para as pessoas em lugares pobres mundo afora. Bianca rebelou-se contra os pais, saiu de casa e nunca mais voltou. Falam tantas histórias sobre ela que eu prefiro não acreditar em nenhuma delas e torço para que esteja feliz fazendo o que quer, onde quer que seja esse lugar. Drica perdeu a parceira de disputas mas não perdeu o ritmo; ao menos agora suas ações estão de acordo com sua maioridade e se viver assim a faz feliz, é o melhor que podemos esperar.

Quanto aos meninos, já disse que o Biel virou papai. Ele sempre gostou da Danubia na verdade, mas sentia-se intimidado demais por ela para se declarar. E quando finalmente teve coragem, foi longe demais. Hoje trabalha e estuda para manter o filho e a esposa – que, garantiu-me, assim que o garoto entrar em uma creche terminará o colegial (e me convence por “a mais b” que ainda temos chances de ter uma clínica veterinária!). O Fred se isolou um pouco de todos nós depois da morte do Tom... Bem, cada um se refugiou em algo depois da morte dele...O Tom queria ser piloto de avião e se tornou aviãozinho dos traficantes de drogas do bairro, e um viciado também. O Vitor jamais aceitara isso, já havia perdido um pai para a bandidagem, não queria perder um amigo. Mas um dia, num momento de crise e de “prova de superioridade”, Tom espancou o Vitor com muita força, até quase a morte, por este tentar dar-lhe uma lição de moral. Vitor sobreviveu, mas teve sequelas graves. Quando estava lúcido o suficiente para perceber o infortúnio que causara ao amigo, Tom se matou. Júlio entrou para a polícia, queria tentar mudar esta realidade de drogas e bandidagem, mas ele é só um em meio a um mar de corrupção. Não sei até quando ele se manterá. Celebro internamente cada dia em que sei que ele voltou para casa e para a sua família...

E eu? Bem, eu sobrevivi, apesar de todas as mudanças. Como o Fred, eu me isolei de quase todos - sou madrinha do filho de Danubia e Biel. Ela sempre me pergunta do Fred, do porquê eu não dar uma chance de tentar ser feliz com ele. E eu lhe explico pela enésima vez que eu simplesmente não consigo, pois é muito difícil estar com alguém que me recorda uma infância maravilhosa e uma adolescência desastrosa, simplesmente porque  nós dois optamos por nos manter à parte do que estava acontecendo. Intimamente eu o culpo, e me culpo também. E agora, não sei o que faço da minha vida, não sei o que ser quando crescer.

Eu disse crescer? Esqueci, já sou grande e agora preciso encarar todos os problemas que tenho...


*Obs: texto de 1999 para trabalho de Psicologia sobre "Período de Desenvolvimento" - atualizado

domingo, 25 de outubro de 2015

Saga Crepúsculo - Supernova

Em 2005 a autora Stephenie Meyer lançava para o mundo o primeiro de uma série de livros sobre um romance sobrenatural. Seus vampiros purpurinados e lobisomens testosteronizados arrebataram os corações de milhares de adolescentes na época, impulsionados também pela franquia de filmes originada destas histórias. E lá se foram 10 anos de fãs histéricas, atores que aproveitaram a crista da onda, autores que fizeram suas versões da histórias em muitas sátiras e muitas, muitas fanfics, como a história a seguir

Escrita em 2010 para um concurso promocional, a história a seguir coloca "um ponto a mais" no drama criado pela autora. Se a Saga Crepúsculo se perpetuará tal qual os livros da Anne Rice, só futuro poderá dizer. Mas histórias são histórias. E um ponto final nunca existe, para aqueles que tem muita imaginação...


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O sinal da última aula tocou, e eu fiquei feliz em me preparar para sair. Era aula de Educação Física, e apesar de, modéstia à parte, ser boa em tudo que eu faço, não suportava os olhares cobiçosos do professor Newton – aquele mesmo, que fora apaixonado pela minha mãe na adolescência dele (já que agora ela era uma eterna adolescente). Aliás, dos amigos humanos da minha mãe, apenas ele permaneceu ali; Ângela casara-se com Ben e juntos montaram uma produtora de filmes em Seatle (e foi, durante dezessete anos, bombardeada de fotos do meu “crescimento”, graças aos inúmeros registros feitos por tia Rosalie e Tia Alice nos meus primeiros meses de vida!). Já o Sr. Newton casara-se e divorciara-se de Jessica – agora repórter em New York, dividindo um apartamento com Lauren - tão rápido quanto a passagem de um cometa. Não pude deixar de perceber seu rosto iluminar-se quando fez a chamada e confirmou quem eu era, Rénesmee Carlie Swan Cullen - Nessie para os íntimos, - filha de Edward e Bella Cullen, mas o brilho apagou-se quando viu meu adorável e gigante namorado vir me buscar, em sua reluzente moto negra depois da aula. Havia o perigo do Sr. Newton reconhecer o rosto dele, mas quantos filhos não nascem a cara dos pais? Era a desculpa perfeita.
            - Vinte anos e as coisas parecem iguais por aqui! – Jacob falava por sob os ombros, enquanto dirigia – Esse aí perdeu mais uma Swan!
        
         Eu ri aninhada em suas costas. Vinte anos e finalmente pude retornar a Forks, para meus avôs e meus lobos. As desculpas de ser sobrinha de Edward não estavam funcionando, à medida que eu cresci rápido demais e ficava cada vez mais parecida com Bella. Jacob partiu conosco e eu tive que aprender a chamar meus pais por seus primeiros nomes, já que aparentávamos a mesma idade. Mas ali em Forks, passados tantos anos, eu podia ser quem eu era: a terceira geração dos Cullens. Nenhum dos mais velhos voltara comigo, era arriscado demais. Mas Jacob, tão imortal quanto eu, pode fazê-lo, abusando do papel de filho de si próprio. Agora, partíamos para La Push, para mais uma noite de fogueiras sob a luz do luar.
            
             Enquanto vovô Black alternava as lendas com os outros anciãos, olhei para a alcatéia a minha volta. Todos tranqüilos e felizes, inclusive Leah, a beta de Jacob: tinha ao seu lado a razão da própria felicidade e um dos motivos por estarmos juntos ali. Éramos uma lenda viva e nossa história seria imortalizada. A minha eu sei de cor, mas hoje falaremos da história de Leah.

Aconteceu logo depois da quase guerra com os Volturi – por minha causa, diga-se de passagem. Leah foi até os jardins dos Cullen falar com Jacob; queria pedir permissão para partir. Lembrou à ele o acordo que fizeram, que não o atrapalharia e tentaria livrar-se da forma de lobo. Por fim demonstrou o quanto seria doloroso voltar para o grupo de Sam. Estava praticamente implorando, quando meu pai saiu da casa, conversando com Emmett, Carlisle e Nahuel, o jovem imortal filho de pai vampiro e mãe humana. Leah ficou perturbada. Edward parou sua conversa, olhando intrigado de um grupo para o outro.

­- Jacob, - falou Leah, sem tirar os olhos deles. Outros Cullens aproximavam-se, inclusive eu, uma criança de poucos meses que aparentava 6 anos no colo de Huilen, tia de Nahuel – Por favor, ordene que  eu não volte mais!

Jacob ficou surpreso, depois furioso com o comportamento dela, que julgava de uma falta de educação sem fim.

- Ora, se não pode suportá-los desapareça daqui!!

Leah fechou os olhos e agradeceu, correndo logo em seguida e deixando-nos sem entender. Por um longo tempo não a vimos, nem soubemos dela, exceto pelas ligações esporádicas que dava para Sue e Seth, então novo Beta de Jacob – Quil e Embry se matariam se ele escolhesse qualquer um dos dois! E lá em casa o assunto Leah só surgia porque meu pai perguntava a qualquer um que morasse em La Push. Seth o tranqüilizava, dizendo que ela parecia bem: apesar de não se transformar mais, ainda era uma loba, ainda podiam senti-la.

Leah reapareceu na reserva num dia de ação de graças, muito abatida. Apesar da alegria sincera de seus irmãos, disse a Jacob que não se demoraria muito, apenas queria matar as saudades. Mais tarde a saudade apertou, pois vira e mexe ela estava de volta, coincidentemente quando havia alguma festa lá em casa produzida por tia Alice, que reunia alguns vampiros amigos. Mas Jacob não impedia a sua partida, pois julgava que ela se esforçava, mas definitivamente não era feliz enquanto ficava por aqui.

- Jacob – disse meu pai – esqueça Nessie um pouco e preste mais atenção na única fêmea de sua alcateia!

Lancei um olhar fulminante para o meu pai. Jacob me esquecer, como assim?! Eu já tinha seis anos – e para minha espécie, já era adulta. Jacob não era mais minha babá, meu irmão mais velho, meu amigo; agora ele era meu namorado, meu prometido.

- Não é nada disso, Nessie!... – Edward tentou apaziguar – É que... bem, apenas prestem a atenção nela!

Havia algo que ele sabia e não queria contar. E o mistério esclareceu-se meses depois, numa visita dos mapuches. Nahuel contava uma de suas aventuras na floresta, quando deparou-se com um animal gigantesco a observá-lo. Pensou em atacá-lo, mas havia algo de familiar nele, que o fez lembrar-se dos lobos de La Push. Enquanto ele falava, meu pai ficou petrificado, e pediu que Jacob ordenasse que Leah fosse até a casa.

- Ei, sanguessuga, você não manda em mim, muito menos na minha alcateia! – Jacob protestou. Mas Edward simplesmente ergueu as sobrancelhas e o encarou, praticamente implorou e Jacob, percebendo a urgência, assentiu. Leah estava ali cinco minutos depois. Sabíamos que ela era veloz, mas sua chegada em tempo recorde nos surpreendeu.

- Ela não estava na reserva, – Edward respondeu meus pensamentos - estava rondando aqui como loba. Só se transforma quando tem certeza que os outros não o estão, assim não podem ouvir seus pensamentos. - Leah o fulminou com o olhar, e foi retribuída com uma gentil advertência: – Se não contar para eles, serei obrigado a fazê-lo.

Todos vimos o rosto furioso de Leah tornar-se uma máscara de dor. Quase éramos capazes de ouvir sua súplica mental dizendo ao meu pai para não dizer o que quer que fosse.

- Não posso,- ele disse numa voz branda – você está correndo perigo com isso! – e virando-se para nós, esclareceu – Leah sofreu imprinting alguns anos atrás, mas ainda está confusa. Não queria que isso acontecesse – na verdade nem esperava acontecer! Não contou a ninguém e implorou que eu não o fizesse. Tentou fugir, mas todos sabemos que isto é forte demais para ser controlado – ele olhou para mim e Jacob ao dizer isto, e não pudemos deixar de ouvir o sonoro “humpft” de tia Rosalie, que ainda implicava com meu namorado – Leah só queria ser humana outra vez, mas estar perto da pessoa que ela... “ama”, a mantém loba para sempre.

A esta altura todos estávamos curiosos. Leah se mantinha imóvel no jardim, de olhos fechados, estremecendo ligeiramente quando meu pai mencionou a palavra “ama”. Edward esperou que ela se manifestasse, mas ela nada disse. Meu pai suspirou e riu:

- No fim, Alice tinha razão, como sempre: há algo em comum entre os lobos e os mestiços. Leah sofreu imprinting com Nahuel. O lobo que ele quase matou era ela.

Por alguns minutos, ninguém se lembrou de como fechar a boca: olhávamos de Leah para Nahuel aturdidos.

- Meu Deus, isso é melhor que novela mexicana! - Falou Emmet.

Pronto. Foi o suficiente para Leah explodir.

- Foi para isso que me chamou aqui, ó grande Alfa, para ser chacota de sua família? Pois saibam que eu prefiro morrer a ser bichinho de estimação de sanguessugas! – bradou, e depois saiu correndo.

- Alguém vá atrás dela, ela não está brincando! – disse meu pai. Porem, antes que Jacob e Seth se manifestassem, Nahuel interferiu e foi falar com ela. Esta parte da conversa nós só soubemos direito depois, pelas lembranças de Leah que Jacob captou; não havia segredo entre os lobos, muito menos entre Jake e eu.

Leah estava no penhasco – aquele mesmo de onde minha mãe se jogara – quando Nahuel a alcançou. Ela lutava contra os próprios sentimentos, mas ele foi categórico: não prometeu que a amaria, mas gostaria que fossem amigos, se isso a fizesse feliz. Ele ainda estava se acostumando com o mundo de possibilidades que o convívio com os Cullens oferecia, a chance de não ser um demônio e ter uma vida quase normal.

 - Não cabe a nós obrigar o nosso...afeto, a nos amar – disse Leah – mas acho que ficarei melhor depois disso.

­- Por favor entenda, não é uma rejeição; eu apenas não me conheço o suficiente para permitir que você arrisque sua vida e seus planos ao meu lado! Meu veneno é letal em você!

Leah sorriu, com um pouco de desdém, mas assentiu. Imediatamente seu coração se acalmou e nascia ali uma estranha amizade. Os planos dela não destoavam muito dos dele: estudar, trabalhar, ajudar a própria tribo, encontrar seu lugar no mundo. Ela era feliz como melhor amiga dele, ajudando-o sempre que possível, e isso era visível principalmente no tratamento dela conosco, mais tolerante – mas ainda mantinha a língua afiada! Até que um dia Nahuel pediu permissão para levá-la oficialmente para o sul, para sua floresta.

- Continuará sendo loba para sempre, quer realmente isso? – zombou Jacob

Isso aconteceu a poucos anos. E agora estávamos lá, todos juntos o casal mais inusitado do mundo. Olhar para Leah ali, radiante tal qual uma supernova, comparada com a loba desamparada que fora outrora, renovava em nós a esperança pelo direito à felicidade de cada um. “Não sabemos porque sofremos imprinting...”, dizia o vovô Black, "...mas a natureza sabe o que faz!"


Agora Leah e eu carregamos o peso de sermos progenitoras de uma nova geração daquela tribo. Se nascerão vampiros ou lobos, frios ou quentes, não importa: serão muito amados. Mas por enquanto isto não é algo em que pensamos. O tempo para nós arrasta-se e contá-lo chega a ser irracional. Queremos abraçar todas as possibilidades que nossa imortalidade permite. Assim, a nova geração dos filhos da Lua Cheia terá muito tempo para esperar...!


terça-feira, 25 de agosto de 2015

O ùltimo suspiro





H
oje eu acordei e não te vi. Estava tão apressada para resolver os meus problemas, as questões do meu dia-a-dia, que não te vi. Você dormia gostoso em minha cama, enrolado em meus lençóis e meu edredom, com seus cachos espalhados em meu travesseiro, respirando devagar o doce aroma da manhã. Eu não quis te acordar. Passava correndo pelo quarto, preocupada se, como sempre, não iria chegar atrasada. Eu lhe beijei rapidamente, manchando suas grossas sobrancelhas com o meu batom. E você sorriu. Só agora me dou conta daquele sorriso, doce e maroto... Não sei se foi uma reação involuntária, se você realmente me sentiu, enfim, talvez eu nunca vá saber. Mas será este sorriso a última lembrança sua que carregarei comigo, enquanto sinto minha alma esvair-se do meu corpo. Vou tentar não me culpar por não ter te acordado, não ter ouvido sua voz mais uma vez, não ter olhado diretamente para seus olhos cinza furta-cor e não ter dito mais vezes que eu te amo, mesmo já me culpando!!


Agora, presa nas engrenagens de um carro em chamas, vou pensar somente naquele seu sorriso que eu mal vi, investindo na certeza de que era para mim que você sorria e que era comigo que sonhava: eu, que agora me torno sonho, que agora me torno uma lembrança...!



sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Os rumos do meu coração

Ah... as paixões avassaladoras da adolescência, que fazem tudo parecer o fim do mundo!
Quem não teve um conflito amoroso na juventude, que atire a primeira pedra!


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S
eguir os caminhos do vento é fácil, é um só. Ele avança sobre as barreiras, faz suas curvas, diminui ou aumenta a velocidade, rodopia... Mas está sempre em uma direção. Porém como seguir o rio, com seus dois, três, dez ou até mil afluentes? E quando seu coração resolve imitar o rio, nos dividindo em difíceis decisões? Foi o que aconteceu comigo alguns anos atrás, quando eu tinha a mesma idade que você.

Guiga e Nando foram dois garotos que conheci quando criança e eram super legais. O Nando bonzinho e o Guiga companheiro. Não eram parentes, pareciam não fazer idéia da existência um do outro em minha vida, já que os conheci em lugares distintos. O Nando foi na escola, loirinho, de olhos claros e sorridentes. Fazíamos tudo juntos em classe, a começar por dividir a mesma mesa: discutíamos, brincávamos, colávamos – às vezes! Na hora do recreio ia cada um para o seu lado, mas em sala de aula, dedicávamos o tempo um com o outro. Eu sempre fui aluna de dez, ele era – ou é – aluno de dez e juntos éramos alunos de cem. As outras crianças sempre vinham com aquela brincadeira de que éramos namorados, mas apesar das gozações nos considerávamos ótimos amigos (aliás, ele era o único amigo verdadeiro que eu possuía naquela escola detestável!). Já o Guiga eu conheci porque ele morava perto da casa onde a minha mãe trabalhava. Era em uma rua larga e sem saída, mas que tinham poucas crianças. Certa vez ela não tinha com quem me deixar, então me levou para lá; enquanto eu estava sentada na varanda sem nada para fazer o Guiga me chamou para brincar. Ele era moreno, com cabelos pretos encaracolados e olhos castanho-escuros. Era considerado o “ovelha negra” da família, por seus gostos serem completamente diferentes do dos seus pais, mas ele jurava que não era questão de rebeldia; apenas queria ampliar os próprios horizontes.

Apesar de fisicamente diferentes, o que o Nando e o Guiga tinham em comum era a beleza: eles eram lindos, lindíssimos!! O Nando tinha um jeito angelical e dedicado, além de ter uma imaginação maior que o mundo: quantas vezes estivemos em perigo em plena floresta amazônica, fugindo de jacarés e onças enquanto a professora ministrava uma aula de ciências? E quantas vezes fui á Marte e descobri que os homens verdes eram menos inteligentes do que nós? Esse era o Nando... Já o Guiga, o que tinha de “rebelde” tinha de engraçado: conseguia arrancar um sorriso da pessoa mais carrancuda que houvesse no mundo – e isso sem ser pejorativo! Era o jeito dele, sua natureza: ser divertido. Eu adorava os dois, meu mundo era muito bem dividido com eles na minha vida, Nando na escola e o Guiga algumas tardes. Com eles aprendi um bocado de coisas: Nando, a tabuada de cor; Guiga, a andar de bicicleta. O Nando me auxiliou quando tive dificuldades em uma matéria de prova; já o Guiga me incentivou a provar que meninas sabiam jogar bola – sou um desastre até hoje!! Desistiu e me ensinou a jogar totó...

Nando na escola, e Guiga nas brincadeiras. E assim crescemos. Eu não percebi que já éramos adolescentes, expostos à toda complexidade hormonal que esta época nos impõe; na verdade eu era uma menina tranquila – não ingênua, mas sem maldades mesmo. Passava boa parte da minha vida convivendo com dois garotos e nunca notei que eles poderiam ser meus primeiros amores. Mas eles sim. E numa tarde em que eu rolei de bicicleta morro abaixo com um Guiga desesperado atrás de mim e eu morrendo de rir, ele me olhou nos olhos aparentemente muito zangado e disse: “Nunca mais faça isso!”. E me beijou. As gargalhadas cessaram na hora e uma garota muito assustada tomou posse de mim. Ele se afastou e eu - que estava de olhos abertos o tempo inteiro! - não consegui dizer absolutamente nada. Quando ele fez menção de se aproximar de novo eu o afastei, peguei minha bicicleta e com o joelho sangrando fui em direção á casa onde minha mãe trabalhava. Como eu não briguei, ele me acompanhou em silencio até a casa, mas quando eu fiz menção de entrar sem lhe dizer nada ele gritou: “Desculpa! Eu estava assustado! E eu gosto de você!!”. Nem preciso dizer que eu e um tomate éramos irmãos gêmeos...!

Quando eu entrei na casa, levei uma bronca por ter caído, no entanto o remédio passado para limpar o joelho nem ardeu: meu coração, que batia tão descompassadamente, me deixou anestesiada. Passado o choque, veio o sorriso de ponta a ponta: afinal o Guiga gostava de mim! Mas e eu, gostava dele? E o Nando: onde ele ficaria nesta história?

Pois é... foi neste instante que me dei conta da importância que os dois tinham na minha vida. Eu era amiga dos dois, mas este “algo mais” era totalmente novo. Passei a noite revivendo aquele beijo inocente, e no dia seguinte o sorriso de ponta a ponta ainda estava lá, estampado no meu rosto e me entregando para qualquer um que passasse.

Inclusive o Nando.

 - O que houve com você? Porque está assim hoje? – ele perguntou

Eu queria contar; afinal ele era o meu melhor amigo na escola, mas mordi os lábios, pois uma pontinha de insegurança veio na minha mente. Balancei a cabeça como quem diz “nada não” e continuei copiando a matéria. Durante toda a aula eu sentia seu olhar de tempos em tempos e achava engraçada a sua curiosidade – e em nenhum momento desconfiei o que ele poderia estar pensando, afinal, minha cabeça ainda estava no Guiga. Foi bem no finalzinho da aula, logo depois que o alarme de saída tocou, que ele se aproximou e revelou seus pensamentos:

- Você finalmente descobriu não é? – ele me perguntou com um ar zombeteiro e o mesmo sorriso de ponta a ponta que eu estava. Porque não reparei que aquele sorriso era igual ao meu? Ao invés disso respondi com um “O quê?” de quem não está entendendo nada e me perdi naqueles olhos cor de mar que se aproximaram como uma onda e se derramaram em minha boca. Outro beijo em menos de 24 horas. Mas não era do mesmo cara! Não houve olhos abertos, e apesar do susto não houve coração descompassado: minha mente já sabia o que era e meu corpo reagiu bem. Pude sentir melhor o beijo, apreciá-lo, e talvez isto tenha dado ao Nando a impressão de aceitação. “Eu gosto de você!”, ele sussurrou. Quando ele se afastou tinha o rosto mais iluminado do que quando tínhamos feito uma viagem fantástica ao centro da Terra junto com Júlio Verne! Passou a mão no meu rosto e com jeito de menino que não se importa disse “Preciso ir, mas a gente se fala amanhã!”. Eu ignorei completamente as duas meninas que não iam com a minha cara e me olhavam com aquele olhar de desprezo que só as adolescentes sabem fazer bem – pura inveja, preciso dizer! – enquanto pensava em tudo que tinha acontecido.

Dois garotos.

Dois beijos.

Uma menina.

A matemática não estava batendo. Ou estava?

Fui para casa, disse para minha mãe que estava doente e que não poderia ajudá-la naquele dia (se de início eu ia lá por não ter ninguém que tomasse conta de mim, já adolescente eu ia ao trabalho dela para adiantar alguns de seus serviços e ela poder sair mais cedo - além de brincar com o Guiga, de quem naquele momento estava fugindo propositalmente!). Também não fui á aula no dia seguinte, passei todo tempo pensando no que havia acontecido e no que eu deveria fazer. Gostava dos dois por igual. Talvez se o Nando não tivesse me beijado eu teria ficado com o Guiga, pois não haveria uma “outra” opção. Mas aquele “finalmente descobriu” que ele disse significava que seus sentimentos eram mais antigos, e eu mesma já não tinha certeza se não gostava dele desde antes também. Eu não poderia namorar os dois ao mesmo tempo - juro que pensei nisto, mas onde ficaria a minha cara quando um me descobrisse com o outro? Acho que eu sumiria... Estava dividida entre a beleza do dia e os mistérios da noite, entre o mar e as montanhas. Foi como se estivesse navegando por um rio calmo e seguro, que de repente tornara-se caudaloso e surgisse à minha frente dois caminhos, cada qual com a sua qualidade, cada qual com a sua justificativa para ser a escolha perfeita: um caminho de belas flores e o outro de animais raros. Porém escolher um era privar-me dos encantos do outro e de suas surpresas. Eu tinha que escolher, e rápido.

Quando retornei às aulas dois dias e um final de semana depois do beijo eu tinha uma decisão. Para ambos. Entrei em sala e o Nando me olhava preocupado: o pobrezinho passara aqueles dois dias sendo a chacota dos garotos por ter “perdido a namorada”, mas comportou-se como um cavalheiro. Eu soube disto pouco antes de chegar à classe e tive que repensar o meu discurso. Ao ver seu olhar aflito, gritei um “hei!” com um sorriso forçado e antes que qualquer um comentasse alguma coisa agarrei seu rosto e tasquei-lhe um beijo. O coro à nossa volta vibrou com o velho “Tá namorando, tá namorando!” e eu com a cara mais blasé possível rebati: “Nós estamos juntos há um tempão, porquê esta comoção agora?”, “Ah, porque agora é oficial!” gritou um dos meninos “Oficial? Agora? Vocês zoavam a gente desde sempre, eu estava crente que já sabiam...!” e assim cortei o clima. Mas precisava acertar as coisas. E foi no final da aula que eu lhe disse que não podia namorar com ele; me sentia muito nova e que só fizera aquilo de manhã porque soubera o que tinha acontecido enquanto estava fora. Eu o amava como a um amigo, um irmão e não queria que ele sofresse por minha causa.

- Você é uma escrota! E eu não preciso da sua piedade! – foi sua resposta. 

Saí da escola com um aperto no peito, magoadíssima com a sua atitude, pois de todas as reações esta era a única não esperada. Eu entendo que ninguém quer ouvir um “não vou namorar com você”, mas ofender uma pessoa a quem você dizia ser “amigo” é desnecessário! E o pior de tudo era que o dia ainda não havia acabado, ainda havia coisas a se resolver. O Guiga já estava lá na calçada quando cheguei no serviço da minha mãe, com seus grandes fones de ouvido que naquele momento não emitiam som algum, apenas justificavam seu caminhar de um lado para o outro. Um sorriso largo se abriu no seu rosto, enquanto um tímido saiu do meu. “Então, precisamos conversar!”, eu comecei. E lá se foi toda a ladainha de novo, de ser muito jovem, gostar dele como amigo, etc. etc.

- É o cara da sua escola não é? – ele perguntou – Aquele “Nando”... Desde que te conheço você fala dele...

Eu me vi surpresa: na verdade nunca me dera conta de que falava do Nando para o Guiga. Será que inconscientemente trazia o Nando para todos os meus momentos? Então me lembrei de como ele reagiu à minha decisão e concluí que não merecia alguém assim.

 - Não Gui, não é o cara da escola. É por minha causa mesmo...

Ele sorriu, e pelo menos com ele foi mais fácil – ou ele soube disfarçar muito bem! O Nando passou a semana me evitando, falando pouco e eu também estava sem jeito de lidar  com ele. Ele foi sensato em não querer mudar de lugar pois isso ia gerar mais incômodos para nós, com os colegas da classe questionando o que acontecera entre a gente.

 - E então, ele está feliz? – perguntou ele às vésperas do final de semana. Eu estava terminando a nota de um exercício, parei o lápis no ar e olhei para ele com aquela cara de “sobre o que você está falando?”- O Guilherme! Ou você achou que eu ia acreditar naquela historinha de que “você é novinha demais”?

Foi então que a minha ficha caiu, e eu compreendi o que estava se passando na cabeça dele. Eles eram tão presentes na minha vida que eu realmente falava de um para o outro sem perceber. Uma lágrima teimosa ficou querendo sair dos meus olhos, mas respirei fundo e a mantive no lugar.

- Você achou que eu tivesse dispensado você porque estava namorando o Guiga...  – falei enquanto fechava meu caderno e guardava minhas coisas - Sabe Nando, o Guiga é tão meu amigo quanto você, ou pelo menos quanto você era, porque eu sempre esperei que meus amigos me conhecessem bem, e você acaba de provar que não é o seu caso: a “historinha” que diz que eu criei é a minha realidade; você deveria saber! – e fui saindo da sala, mas ele pulou da carteira e me segurou!

- Espera! Desculpa eu... eu... achei que...

- Você simplesmente não acreditou em mim e achou que eu estava com o Guiga!!

- Desculpa... É que... Não é fácil receber um “não” como resposta...!

- E não é fácil ser ofendida sem motivo! Você me chamou de “escrota” Nando!...

- Ah eu sempre te chamei de “escrota”!

- Não com aquela conotação!

- Desculpa vai... Deixa eu ser seu amigo de novo!

- Você quem quis deixar de ser...!
         
         - Hummm, essa frase pode ser interpretada para duas situações!

E então nós rimos. Mas eu sabia que nada ia ser como antes.

No final daquele dia eu sentia um alívio e ao mesmo tempo um vazio. Alívio por ter resolvido esta questão sem machucar ninguém e vazio porque também sabia que a partir dali minha relação com meus únicos amigos iria mudar; sentia que ia perdê-los em breve. E perdi.  Não, não foi como acordar e não ter mais a amizade, mas aquele fato foi um divisor de águas em nossa relação. Com um tempo passei a assumir mais tarefas no serviço da minha mãe e já não tinha mais tempo livre para conversar com o Guiga, até que a família dele se mudou para outro estado: ele até me escreveu umas duas cartas, mas sabem como são os meninos e suas distrações, se não param para fazer os deveres da escola que dirá escrever uma carta para uma amiga distante que rejeitou o seu afeto. Já o Nando, foi um problema de ideais de futuro: eu queria trabalhar logo, e onde estudávamos não oferecia ensino profissionalizante; logo, precisei mudar de escola. Até trocamos de telefone, mas sabem como são os meninos e os telefones...

Saí da minha canoa e segui por terra, mas vez ou outra ainda posso sentir o perfume das flores ou ouvir o murmurar dos animais. Com o avanço das tecnologias, conversando com um ou outro colega pude saber deles, como estavam, mas nunca tentei um contato; já não éramos mais crianças, provavelmente mudamos bastante e eu preferi ficar com a recordação de como eles eram.

          Ah... mas como eu gostava do Nando...! E do Guiga também!