sexta-feira, 1 de maio de 2015

A nuvem que chovia histórias

N
o cume de uma montanha, a mais alta do mundo, vivia um homem tão velho quanto a própria humanidade e tão só quanto a própria solidão. Infeliz? Não, ele não se considerava assim, pelo contrário: sentia-se o homem mais feliz de todos, longe da maldade que dominava os homens, vivendo de sua horta e cultivando seu imenso jardim, onde possuía um exemplar de cada flor existente, trazida pelos seus melhores amigos, os pássaros, que também lhe informavam como ia o mundo além da montanha. Como considerá-lo um homem só, se contando com as plantas e com os animais ele possuía mais amigos que qualquer homem na face da Terra?

Este homem, tão logo acordava pela manhã, ocupava-se em cuidar de seu jardim, para que os pássaros viessem se alimentar do pólen de suas plantas. Enquanto o regava, tratava das plantas, revolvia a terra retirando ervas daninhas e contava histórias. Elas falavam de amor, de bondade, esperança e principalmente de Deus. Ah, como eram belas as histórias que ele contava sobre o povo e Deus e daqueles que Ele enviou para ensinar aos homens sobre o amor... Certamente ouvira as mesmas quando criança – ainda que não recordasse da própria infância! Ao anoitecer, com o crepúsculo resplandecendo no horizonte, chorava pelos homens, e antes de dormir, pedia a Deus que tivesse piedade deles.

A recompensa de tanta bondade e perseverança foi o surgimento de fadas em seu jardim. Como o desejo daquele homem era que houvesse paz no mundo, através delas este desejo era realizado. Os minúsculos serem oníricos ajudavam os homens de bem em suas realizações; sua intenção era mostrar à todos que as boas ações eram merecidamente recompensadas, pois permitiam a realização dos desejos mais íntimos de cada um.

Aconteceu que, numa manhã de inverno, época em que as plantas recolhem seus botões, uma roseira desobediente desabrochou, fazendo surgir uma linda rosa vermelha, e dentro dela, uma pequena fadinha. As outras fadas ficaram assombradas, pois nascimentos só são esperados na primavera, e não sabiam o que fazer com a pequenina. Frágil e ainda indefesa, ela não poderia acompanhá-las em suas missões pois viria a perecer; o mesmo aconteceria se permanecesse ali naquele frio. O que fariam então?

Por sorte o rubro da rosa em meio à neve chamou a atenção daquele velho homem, que foi verificar do que se tratava e ficou maravilhado com a rosa temporã. Achou-a mais que bela: um verdadeiro milagre dos céus de desafio e resistência, e resolveu levá-la para casa. Lá a colocou em um jarro de água e começou a cercá-la de cuidados. As outras fadas logo se alegraram, pois agora tinham a certeza de que sua irmãzinha ficaria bem.

Todos os invernos eram de solidão e muito trabalho para aquele homem: os pássaros, seus amigos, partiam em busca do verão, e as plantas que não resistiam ao frio exigiam um pouco mais de sua atenção para não perecerem. Passava todo o inverno rememorando histórias, colocando alguns pontos, reinventando-as ou simplesmente criando novas, para contar aos seus amigos quando estes voltassem. Mas naquele inverno ele não estava só, pois tinha sua rosa. E foi para ela que ele dedicou grande parte de sua atenção, contando-lhe histórias. Não sabia, porém, que dentro da rosa havia uma fada e esta se desenvolvia cada dia mais radiante pelas histórias que ele contava. 

E enfim chegou a primavera, e com ela novas flores no jardim, e principalmente mais fadas. O velho homem voltou alegremente ao seu ofício de cuidar de seus amigos e contar-lhe as histórias, como se a aventura invernal tivesse sido apenas mais uma delas. Logo, nenhum dos outros seres que habitavam aquele lugar estranhou quando o velho, um pouco pesaroso, levou a rosa, agora já com galhos, para seu jardim. Não podia deixá-la em casa pois não podia amá-la mais que às outras, então tratou de esquecê-la. Mas a fadinha que vivia dentro daquela rosa não o esqueceu, e esforçou-se mais que as outras para realizar o sonho dele.

Ah, quisera que os outros humanos fossem como aquele velho homem, que olhassem uns para os outros como ele olha para as flores em seu jardim: cada uma tem a sua beleza, mas são tratadas igualmente, não havendo mais belas, nem mais feias. O mesmo olhar que lança para as flores lança para as ervas: para aqueles olhos todas são iguais. Pudera também os seres humanos amassem tanto uns aos outros como ele os amava. Chorava à noite, pedindo à Deus que perdoasse aqueles que nada fazem para lutar por um mundo melhor. Às vezes pensava em voltar para o mundo além da montanha, em como gostaria de passar sua mensagem para eles, mas temia ser sufocado pela arrogância do povo; sentia que seria impossível. Só lhes restava rezar.

Foi pensando neste desejo que a fadinha teve uma ideia: fez um feitiço de maneira que cada história que o velho contava tornava-se vapor e ia se juntando lá no alto do céu, formando uma nuvem. Quando estava bem carregada, a nuvem se afastava e ia para as cidades. As pessoas logo se preparavam para um temporal, mas quando davam conta de si, sentiam sua imaginação fervilhar de histórias bonitas que logo eram contadas para outras pessoas, que contavam para outras, e contavam para outras... até que todos tinham conhecimento da história. E assim muitos mudavam o modo de ver o mundo – mesmo que outros não se importassem. E assim a nuvem seguia carregando e descarregando sempre...
Até que um dia, o velho partiu finalmente; já era chegada a sua hora. Deveria ser motivo de tristeza para os seres que ali habitavam mas foi de muita alegria pois todos sabiam que ele estava no céu, aos pés do Senhor. Somente a fadinha ficou triste: o que seria da sua nuvem de histórias? Era a única coisa que imortalizava aquele senhor que vivera tanto quanto qualquer mortal e permitiria que seu trabalho e suas orações tocassem os homens. Não haveriam mais histórias... Foi então que as outras fadas, percebendo seu pesar e conhecendo seus motivos tiveram uma ideia: transformariam toda boa história que saísse da boca dos humanos em nuvem para desabar em outros corações.

E assim aconteceu. Por muitos anos a nuvem carregava e descarregava milhares de histórias no coração dos homens, e mudavam suas atitudes, seu jeito de pensar. No entanto, é uma pena que a maldade dominava muitas mentes, impedindo-os de viver as maravilhas da nuvem que chovia histórias. Ela acabou tornando-se uma névoa, uma bruma, e são poucos os que a sentem e absorvem seu encanto, como eu.

Ah, como seria bom se todos pudessem ver, sentir, se envolver e trazer de volta a nuvem que chove histórias! Uma pena que o sonho do velho homem ainda esteja bem longe de se tornar realidade...! 

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