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o cume de uma montanha, a mais alta
do mundo, vivia um homem tão velho quanto a própria humanidade e tão só quanto
a própria solidão. Infeliz? Não, ele não se considerava assim, pelo contrário:
sentia-se o homem mais feliz de todos, longe da maldade que dominava os homens,
vivendo de sua horta e cultivando seu imenso jardim, onde possuía um exemplar
de cada flor existente, trazida pelos seus melhores amigos, os pássaros, que
também lhe informavam como ia o mundo além da montanha. Como considerá-lo um
homem só, se contando com as plantas e com os animais ele possuía mais amigos
que qualquer homem na face da Terra?
Este homem, tão
logo acordava pela manhã, ocupava-se em cuidar de seu jardim, para que os
pássaros viessem se alimentar do pólen de suas plantas. Enquanto o regava,
tratava das plantas, revolvia a terra retirando ervas daninhas e contava
histórias. Elas falavam de amor, de bondade, esperança e principalmente de
Deus. Ah, como eram belas as histórias que ele contava sobre o povo e Deus e
daqueles que Ele enviou para ensinar aos homens sobre o amor... Certamente
ouvira as mesmas quando criança – ainda que não recordasse da própria infância!
Ao anoitecer, com o crepúsculo resplandecendo no horizonte, chorava pelos
homens, e antes de dormir, pedia a Deus que tivesse piedade deles.
A recompensa de
tanta bondade e perseverança foi o surgimento de fadas em seu jardim. Como o
desejo daquele homem era que houvesse paz no mundo, através delas este desejo
era realizado. Os minúsculos serem oníricos ajudavam os homens de bem em suas
realizações; sua intenção era mostrar à todos que as boas ações eram
merecidamente recompensadas, pois permitiam a realização dos desejos mais
íntimos de cada um.
Aconteceu que,
numa manhã de inverno, época em que as plantas recolhem seus botões, uma
roseira desobediente desabrochou, fazendo surgir uma linda rosa vermelha, e
dentro dela, uma pequena fadinha. As outras fadas ficaram assombradas, pois
nascimentos só são esperados na primavera, e não sabiam o que fazer com a
pequenina. Frágil e ainda indefesa, ela não poderia acompanhá-las em suas
missões pois viria a perecer; o mesmo aconteceria se permanecesse ali naquele
frio. O que fariam então?
Por sorte o rubro
da rosa em meio à neve chamou a atenção daquele velho homem, que foi verificar
do que se tratava e ficou maravilhado com a rosa temporã. Achou-a mais que
bela: um verdadeiro milagre dos céus de desafio e resistência, e resolveu levá-la
para casa. Lá a colocou em um jarro de água e começou a cercá-la de cuidados.
As outras fadas logo se alegraram, pois agora tinham a certeza de que sua
irmãzinha ficaria bem.
Todos os invernos
eram de solidão e muito trabalho para aquele homem: os pássaros, seus amigos,
partiam em busca do verão, e as plantas que não resistiam ao frio exigiam um
pouco mais de sua atenção para não perecerem. Passava todo o inverno
rememorando histórias, colocando alguns pontos, reinventando-as ou simplesmente
criando novas, para contar aos seus amigos quando estes voltassem. Mas naquele
inverno ele não estava só, pois tinha sua rosa. E foi para ela que ele dedicou
grande parte de sua atenção, contando-lhe histórias. Não sabia, porém, que
dentro da rosa havia uma fada e esta se desenvolvia cada dia mais radiante
pelas histórias que ele contava.
E enfim chegou a
primavera, e com ela novas flores no jardim, e principalmente mais fadas. O
velho homem voltou alegremente ao seu ofício de cuidar de seus amigos e
contar-lhe as histórias, como se a aventura invernal tivesse sido apenas mais
uma delas. Logo, nenhum dos outros seres que habitavam aquele lugar estranhou
quando o velho, um pouco pesaroso, levou a rosa, agora já com galhos, para seu
jardim. Não podia deixá-la em casa pois não podia amá-la mais que às outras,
então tratou de esquecê-la. Mas a fadinha que vivia dentro daquela rosa não o
esqueceu, e esforçou-se mais que as outras para realizar o sonho dele.
Ah, quisera que
os outros humanos fossem como aquele velho homem, que olhassem uns para os
outros como ele olha para as flores em seu jardim: cada uma tem a sua beleza,
mas são tratadas igualmente, não havendo mais belas, nem mais feias. O mesmo
olhar que lança para as flores lança para as ervas: para aqueles olhos todas são
iguais. Pudera também os seres humanos amassem tanto uns aos outros como ele os
amava. Chorava à noite, pedindo à Deus que perdoasse aqueles que nada fazem
para lutar por um mundo melhor. Às vezes pensava em voltar para o mundo além da
montanha, em como gostaria de passar sua mensagem para eles, mas temia ser
sufocado pela arrogância do povo; sentia que seria impossível. Só lhes restava
rezar.
Foi pensando neste
desejo que a fadinha teve uma ideia: fez um feitiço de maneira que cada
história que o velho contava tornava-se vapor e ia se juntando lá no alto do
céu, formando uma nuvem. Quando estava bem carregada, a nuvem se afastava e ia
para as cidades. As pessoas logo se preparavam para um temporal, mas quando
davam conta de si, sentiam sua imaginação fervilhar de histórias bonitas que
logo eram contadas para outras pessoas, que contavam para outras, e contavam
para outras... até que todos tinham conhecimento da história. E assim muitos
mudavam o modo de ver o mundo – mesmo que outros não se importassem. E assim a
nuvem seguia carregando e descarregando sempre...
Até que um dia, o
velho partiu finalmente; já era chegada a sua hora. Deveria ser motivo de
tristeza para os seres que ali habitavam mas foi de muita alegria pois todos
sabiam que ele estava no céu, aos pés do Senhor. Somente a fadinha ficou
triste: o que seria da sua nuvem de histórias? Era a única coisa que
imortalizava aquele senhor que vivera tanto quanto qualquer mortal e permitiria
que seu trabalho e suas orações tocassem os homens. Não haveriam mais
histórias... Foi então que as outras fadas, percebendo seu pesar e conhecendo
seus motivos tiveram uma ideia: transformariam toda boa história que saísse da
boca dos humanos em nuvem para desabar em outros corações.
E assim
aconteceu. Por muitos anos a nuvem carregava e descarregava milhares de
histórias no coração dos homens, e mudavam suas atitudes, seu jeito de pensar.
No entanto, é uma pena que a maldade dominava muitas mentes, impedindo-os de
viver as maravilhas da nuvem que chovia histórias. Ela acabou tornando-se uma
névoa, uma bruma, e são poucos os que a sentem e absorvem seu encanto, como eu.
Ah, como seria bom se todos pudessem ver, sentir, se envolver e trazer de volta a nuvem que chove histórias! Uma pena que o sonho do velho homem ainda esteja bem longe de se tornar realidade...!
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